Um herói não precisa de superpoderes.
Outubro, 1984.
Fugindo da seca, Roberto e seu filho David decidiram deixar Pernambuco rumo a São Paulo. Aquela foi uma viagem difícil, mas, de carona em carona, chegaram ao seu destino.
Já nos primeiros dias em São Paulo, Roberto conseguiu um emprego. A cidade estava em pleno desenvolvimento e os serviços na construção civil não faltavam.
Passou a viver com seu filho no alojamento da empresa, mas nunca perdeu a esperança de dias melhores, mantendo sempre o otimismo para contagiar seu filho. Incentivava-o a estudar para que tivesse uma vida melhor que a sua, e costumava dizer que, um dia, David se tornaria um doutor.
Assim foram vivendo, levando os dias com sacrifício e muita fé em um futuro mais promissor. Roberto nunca descuidou da educação do filho, arrumando tempo para ajudá-lo com o pouco conhecimento que tinha.
Sua única distração resumia-se a visitas à casa de João, um amigo que fizera no trabalho. Roberto levava David à casa de João pelo menos uma vez ao mês. Aquela era uma forma de tirar David do ambiente de trabalho, para que tivesse amigos da própria idade e para que pudesse brincar com os três filhos de João.
O domingo finalmente chegou, dia de levar David para passear na casa do amigo. Estavam caminhando até o ponto de ônibus quando, de repente, Roberto começou a sentir fortes dores no peito e caiu desmaiado, cena que jamais saiu da cabeça de David.
O garoto começou a pedir ajuda a todos que estavam por lá. Agarrava no braço de um, que se soltava rapidamente, colocava-se na frente de outro, mas ninguém queria se envolver. Com apenas 12 anos de idade, David descobriu o quanto algumas pessoas podem ser cruéis e insensíveis.
Ele entrou em desespero, ajoelhado ao lado do pai. Já estava prestes a perder as esperanças quando um carro parou bem próximo de onde estavam. Do veículo desceu um senhor que, sem fazer qualquer pergunta, colocou Roberto e David em seu carro e levou-os a um hospital, apresentando-se como Jaime.
O homem permaneceu o tempo todo com David, consolando-o e pedindo que tivesse fé, pois seu pai iria se recuperar.
Mais tarde, Jaime foi informado pelo médico de que a sua intervenção salvara a vida de Roberto, afinal, mais alguns minutos de espera poderiam resultar em uma tragédia.
Essa experiência fez com que David amadurecesse muito rápido. Sua dedicação aos estudos tornou-se seu principal foco, fazendo dela o objetivo de sua vida.
Talvez, em seu subconsciente, desejasse progredir para oferecer condições melhores ao pai.
Julho, 2014.
Dr. Soares chegou à sua clínica após 12 horas de serviços prestados à comunidade. Costumava se dedicar a esta tarefa beneficente pelo menos uma vez por semana. Ele dizia que a caridade mantinha seus pés no chão, para que nunca esquecesse de suas origens.
Naquele mesmo momento, a alguns quarteirões de sua clínica, um senhor passava mal e sentia fortes dores no peito. Suava frio e sentia muitas palpitações, até que caiu e desmaiou.
Sua filha Beatriz ficou apavorada e, com a ajuda de algumas pessoas, entrou com o pai na clínica do Dr. Soares, que imediatamente foi chamado e direcionou o paciente ao centro cirúrgico.
Enquanto isto, Beatriz explicava para a atendente que seu pai não tinha convênio médico. A funcionária explicou que aquela era uma clínica particular, sendo necessário assinar alguns documentos para garantir o pagamento das despesas médicas.
Seu pai passou um bom tempo na UTI, sendo que as contas subiam dia após dia. Sem saber o que fazer, Beatriz colocou a lanchonete da família à venda, ciente de que, mesmo que a vendesse, não seria capaz de pagar um décimo do débito.
Dr. Soares não havia percebido de imediato, mas, quando seu paciente estava fora de perigo, pareceu reconhecê-lo. Embora o rosto estivesse bastante marcado pela idade, sua fisionomia era familiar.
Rapidamente, pegou a ficha médica para ver o nome do paciente. Ao ler o nome Jaime, seu cérebro trouxe as lembranças de imediato, custando a acreditar na coincidência que o destinou havia lhe preparado. O médico estava de frente com o homem que havia salvado seu pai.
De repente, foi interrompido por sua secretária:
— Dr. David Soares, a Srta. Beatriz deseja falar com o senhor.
— Deixe-a entrar — disse o Dr. David Soares.
Beatriz apareceu no local:
— Doutor, sou muito grata pelo que o senhor fez ao meu pai, mas, mesmo vendendo nossa lanchonete e nossa casa, o dinheiro não será suficiente para pagar o que devemos.
Antes que terminasse de falar, Dr. David Soares disse:
— Beatriz, esta dívida já foi paga trinta anos atrás.
Sem entender nada, Beatriz pediu por uma explicação. Dr. David Soares tirou de sua gaveta um recorte de jornal amarelado pelo tempo, estampado com uma foto de si ainda criança, ao lado de seu pai e do senhor Jaime, que o socorrera na época.
Com lágrimas nos olhos, Beatriz terminou de ler a reportagem e, agradecida, abraçou o Dr. David Soares. Juntos, foram visitar Jaime, que já estava se recuperando em seu quarto.