All Star #34

A cara que a Ana Paula fazia enquanto o professor de química tentava explicar para gente alguma coisa sobre ligações iônicas me levava há uma realidade com crianças brincando na grama numa manhã feliz de domingo. A distância entre nós é muito maior que o fundão e os CDFs lá da frente. Queria ter nascido para merecer garotas como ela, mas não foi o caso. Ia acabar sendo uma coisa tipo aquela música do Nazareth, Hear of the dog. Sem dúvida não quero isso para minha vida, e nem é hora de pensar nisso. Não sei, mas as vezes acho que perco muitas garotas porque já estou projetando uma vida inteira com elas antes mesmo do primeiro beijo. Sou patético. Era tudo que aquela aula tinha me ensinado. “Vamos no sítio da Tati fumar hoje a tarde?” Os bilhetinhos da Julia pareciam pré-prontos, sempre terminavam com 'fumar hoje a tarde'. O que variava era o lugar e com quem. Para mim estava ótimo, desde que ela estivesse lá. Guardei o bilhetinho na mochila para minha coleção e respondi balançando a cabeça com um sim.

Acordei do meu cochilo matinal na classe já no fim da aula de biologia. A Paula, a Julia e a Tati estavam conversando e rindo. Devia ter alguma coisa a ver com os caras que elas ficavam, o que não me incluía. Estava arrumando minhas coisas e elas estavam vindo na minha direção. “Você tem nhacoma?”, disse a Julia. “Tenho, pode deixar que eu levo. Alguém podia arrumar um radinho para a gente ficar escutando o programa do Tony Rock.” Não sei, as vezes acho que a vida sem trilha sonora fica vazia. “Vou pegar o da cozinha de casa”, respondeu a Paula. “Você não quer ir também Carl?”, perguntou a Tati para o Carlos, que estava do nosso lado esperando o movimento andar. Não gosto quando as garotas ficam usando estes apelidinhos com os caras que uma delas esta ficando. “Vou sim, que horas.” “Umas três, o pessoal passa na sua casa quando estiver indo.” “A Paula passa em casa, depois a gente passa na Julia, na sua casa, e chega na casa da Tati quando estiver seco de sede e com a cara suja de terra.” Todo mundo riu e a turma tarde no sítio estava pronta.

Preparei os baseados antes de sair de casa e quando a Paula chegou já estava lá na frente esperando ela. “Não vamos sair andando pela cidade com este rádio ligado. Não fiz tudo que fiz, nem passei pelo que passei, para parecer um idiota andando na rua.” “Não era você que fazia questão do rádio?” “Para a gente escutar lá, e não para compartilhar com a humanidade. E não vamos abusar das pilhas.” Não sei, as vezes parece que as pessoas estão tão preocupadas em mostrar sua felicidade para o mundo que se esquecem de serem felizes. Passamos na Julia, depois no Carlos e paramos no mercado do Seu Tonho. Pegamos chocolate, batatinha e refrigerante. Andamos uns dois quilômetros que pareceram dez pelo cansaço e cem metros pelas conversas no caminho. Na porteira tinha uma corda amarrada nuns postes que tocava um sino lá na cozinha da casa onde a Tati morava. Tudo lá era quase como nos filmes de Velho Oeste. Puxamos a cordinha e já fomos indo para o celeiro esquecido e caindo aos pedaços que ficava no extremo sul. A Paula ligou o rádio e o Tony Rock estava mandando Dancing with myself, do Billy Idol, alto e barulhento direto para nossos ouvidos. Quando caiu na corrente sanguínea começamos a pular e tocar air guitar como quem anuncia para o mundo que a felicidade chegou.

A Tati apareceu com uns pedaços de bolo que a mãe dela tinha feito. A gente foi sentando enfileirado na parede do celeiro. Esperei para ver onde a Julia ia sentar e sentei do lado direito dela. Não sei, as vezes sonho que ela pode virar para mim do nada e dizer “eu também te amo” e me dar o beijo que vai me levar direto ao paraíso. Estar perto dela aumenta as chances. Acendi o baseado e passei primeiro para ela. Depois acendi o segundo e passei para a Paula que estava na minha esquerda. “Dois?!”, o Carlos parecia assustado. “Este não esta muito bom, e estamos em muitas cabeças. Tem mais para a volta.”, respondi sabendo que não era verdade. Queria chapar até ver duende mesmo. Depois que os becks acabaram o Carlos e a Tati foram se pegar dentro do celeiro. Eu a Julia e a Paula ficamos parados viajando no horizonte e em Supersonic do Oasis. As vacas do pai da Tati começaram a se amontoar na sombra de uma árvore perto da gente e foi como se elas estivessem se preparando para roubar nossa brisa. Percebi que a Julia não estava confortável com o movimento. Eu estava esperando a hora que todas aquelas vacas iam levantar e disparar loucamente correndo em nossa direção para salvar a vida dela. Depois a gente ia ser felizes para sempre.

Foi a Paula que trouxe as cabeças flutuantes para a Terra de novo. “Porque os homens não podem ser como os animais?” “Minha nossa! No que ela estava viajando?”, pensei. “Porque eles não tem Rock'n Roll, nem maconha, nem chocolate. Já comemos todo o chocolate?” A Julia disse tudo que eu queria. A gente pensava igual, tínhamos nascidos um para o outro. “Ainda não.” Peguei a sacola que estava no alcance da minha mão e passei para ela. O sol começou a se pôr e parecia que uma explosão de cor tinha acontecido no horizonte. O Tony Rock estava encerrando a programação com Do I wanna know do Arctic Monkeys e a Julia se encostou em mim e colocou a cabeça no meu ombro. Não sei, mas as vezes acho que a gente vive numa guerra fria do amor: quem vai se entregar primeiro? O Carlos e a Tati estavam abraçados de pé vendo a nuvens ficarem em tons púrpuras no pôr do sol mais gostoso de todos os tempos. Nem percebi quando eles saíram do celeiro. Não tinha mais larica, nem baseado, nem Rock'n Roll e nem sol. Levantamos, juntamos toda sujeira numa sacola, e fomos embora.