O ABRAÇO

Sujo e maltrapilho, renegado por si e por todos, perambula e gesticula pelas ruas sem fim de uma cidade estranha e vazia.

Eis que em determinado momento, alguém lhe chega e sem voltas lhe abraça sobre os panos asquerosos cujo odor pouco disfarçam o cheiro azedo que exala de seu corpo. Não sabe quem é o abraçador. Não reage, não pensa. Quem lhe abraça o solta um tanto para lhe encarar com um sorriso indefinido para voltar em seguida a abraçá-lo com uma força que incomoda seus ossos frágeis sutilmente cobertos por uma pele encardida e seca.

Sem esboçar qualquer reação, permite-se ficar ali num abraço desconexo com a sua realidade e ainda sem pensar, começa a sentir algo estranho em si. Uma pontada forte no peito lhe dificulta a respiração, zonzo deixa-se amparar no abraço do desconhecido que sente o peso do corpo largado, magro.

Assusta-se, relaxa o abraço, segura o pobre coitado cujos olhos bem abertos estão vidrados, fixados num ponto qualquer. Leva-o até o chão. Deixa-o imóvel por lá. Ainda agachado, olha para um lado, depois para o outro. Não há ninguém! Ergue-se. Endireita o colarinho. Repuxa a manga comprida da camisa estampada. Limpa um pouco da sujeira do corpo do outro que havia ficado na camisa. Com o pé direito empurra levemente o infeliz estirado no meio da calçada. Nenhuma resposta. Afasta-se rápido do corpo, olha apenas uma vez para trás e segue adiante como a fugir de uma falta que não era sua, era daquele pobre diabo que resolveu ter um infarto naquele momento que quis ser solidário em razão de um movimento que se alastrava pelas redes sociais de abraçar um estranho na rua e lhe sorrir. Foi embora!

Os olhos vidrados mexem de um lado para o outro. Depois é a cabeça que repete o movimento. O sujeito infartado apoia-se nos antebraços e olha para o abraçador que já dobra na esquina. Ainda dá para ver os seus grandes glúteos. Levanta-se! De suas mãos aparece uma carteira de couro um tanto surrada. Abre-a! Retira duas notas de cem reais e três de cinquenta. Enfia no bolso da calça rasgada o dinheiro. Remexe um pouco mais na carteira, vira-a, revira-a, restaram apenas documentos e cartões. Fecha a carteira, uma última olhada nela e a lança no meio da rua deserta. Ri alto e segue em direção oposta ao abraçador dos glúteos grandes.