Gotas no chão
Pedro piolho, criança pequena, estava na cabeça de qualquer novidade. Como fazia besteira! Nunca esqueceu o dia em que descobrira o sabor das gotas do banho espirradas no teto do banheiro. Mãos em concha, atirava bombas d’água para cima e ficava embaixo esperando as gotas geladas, boca feia, cheia de aparelhos, aberta. E o chuveiro ligado. Chuveiro queimado.
Dona Sônia entrou espumando. Deu maior esfrega no moleque pela arte sistina, o chuveiro queimado e a trama toda. Pedro se lembra de correr pelado molhado pela casa e ainda escorregar e quase cair antes de se trancar assustado no quarto. Depois, gargalhou de ouvir a mãe continuar a falar lá de longe. O esfrega nem doera. Foi mais o susto, depois o riso da comicidade da cena e da ira materna. Sentou molhado na cama, o que renderia outro esfrega mais tarde, e ficou lembrando tudo: a demora no banho, as gotas caindo geladas do teto, o chuveiro esfriando de repente, o grito, a bronca... Ser criança é descobrir lambanças e levar esfrega da mãe vez em quando.
Hoje, Pedro sentiu saudade do apartamento do tempo de criança, da pintura úmida do teto do banheiro descascando com o passar dos anos. E sentiu saudades dela. Depois do riso, esfregou o olhar doído no chão e chorou sentado na cama. Observou as gotas despencarem quentes dos olhos e morrerem sem sabor no piso do quarto, esfriando de repente. O silêncio é a bronca. Ser adulto é descobrir lembranças e sentir saudades da mãe. Sempre.