TEATRO DA VIDA...
Quase três horas da tarde.
Ainda a pouco, parei naquele mesmo farol, aonde as surrealistas cenas da vida se sucedem.
Eu não a conhecia.
Descalça, tez fissurada pela senilidade, saia amarrada na cintura, arrastava um saquinho plástico repleto de moedas angariadas no semáforo.
Olhou-me com face de interrogação.Baixei o vidro do carro.
-Desculpe, tenho apenas isto aqui.A senhora aceita? Está gostosa!
Aceitou.Entreguei-lhe um pedaço de torta de ricota quentinha que eu acabara de embrulhar para o meu lanche. Logo que o farol se abriu, tentei alcançá-la pelo retrovisor e a perdi de vista.
Resolvi contornar o quarteirão, para ter novamente com ela. Demorei um bom tempo, suficiente para encontrá-la sentada na calçada, devorando compulsivamente a torta.
-Estava gostosa?- perguntei-lhe.
Esboçou um desdentado sorriso...
-Você matou minha fome, ainda não tinha comido hoje.
E se foi cabisbaixa, seguindo seu destino, serpentendo sua miséria por entre os automóveis da avenida...
Senti uma sensação indescritível...
Oxalá pudéssemos realmente matar todas as fomes do mundo...