DE NOITE NO HOSPITAL
O homem chegou esbaforido ao hospital. Vê-se que está preocupado, sofrendo. Procura a enfermaria 1, 2 ou 3... já não lembra mais o que disseram na recepção. Ele olha as portas abertas. Vê muitos doentes, de diferentes idades. Nem quer pensar no que o filho está sentindo, para não aumentar seu sofrimento. Será que foi infarto? Disseram que o menino estava jogando vôlei quando repentinamente sentiu-se fraco, com o coração batendo descompassadamente. Os amigos o carregaram aohospital.
“Oh, Deus, lá está ele! Está no soro. Está ligado num aparelho, deve ser para medir os batimentos do coração”, pensou o homem. Ele conversa com o filho e as palavras balbuciadas com medo martelam a mente do homem: “Pai, falaram em me dar choque!” Continua, em silêncio, a rezar a oração que iniciara ao pegar o ônibus, logo que a notícia da internação o tirou do trabalho. Vai se apequenando naquele mundo cheio de doentes com olheiras. As máquinas lhe dão medo. São geringonças frias, metálicas, com botões, fios, zunidos e bipes. Olha desconsolado o filho sob aquela luz inclemente. Parece um holofote, tornando maior aquela dor que é só da família, para ser sentida, sofrida, chorada, na intimidade. “Meu Deus, ajuda o coraçãozinho do meu filho a bater direito, por favor!”
Cinco ou seis homens se aproximam do menino. São todos muito jovens, claros, bonitos, vestindo roupas brancas. Não parecem pertencer àquele mundo de sofrimento, se assemelham a homens de plástico. Um deles fala, os outros não respondem mas têm mil olhos sobre o menino. Há mais palavras a confundir o pai. Ele entende somente alguns trechos: “O do leito 132 ... arritmia... prolapso... válvula mitral... talvez seja necessário procedimento elétrico... o medicamento busca estabilizar o número 132...”. De súbito o homem parece compreender algo e pesadamente aproxima-se mais do grupo. Diz ao falante, misturando medo, humildade e dignidade notímido tom de voz:
- Ele não se chama 132, o nome dele é Tiago, doutor.
Os homens de plástico se espantam. Em seguida abandonam pai e filho, que permanecem ali sofrendo e orando, cada um em seu silêncio dolorido. O homem nem percebe a mulher da limpeza que entra, com passos miúdos e quietos, para varrer a enfermaria. Ela olha penalizada para o rapaz e sussurra:
- Coitadinho. Vou apagar a luz pra ele descansar.
Ela desliga a luz. O homem se sobressalta e pensa: “então é possível afastar esta luz de cima de nós. Oh, Deus, obrigado!”. Ele achava que aquilo só seria possível sob ordens médicas. Olha agradecido para a mulher, quase consolado em seus temores. Descobre que os homens de plástico não eram uma junta médica mas, sim, um médico professor ensinando alguns residentes. Porém, com a luz apagada, com a humanidade da mulher, ele se sentiu acolhido e passou a ter mais esperança na cura do menino. Tiago descansa. O pai chega a cogitar:
- Talvez amanhã ele volte para casa.
Por duas vezes agradeceu à mulher. Ela saiu e o amor ficou ali mesmo, zelando por aqueles dois seres angustiados. Misturou-se à penumbra da enfermaria, espalhando-se por todos os cantos da sala e aninhando-se até mesmo entre os lençóis do leito 132.