As marcas do passado, jamais serão apagadas.
José não suportava mais aquela situação, tinha certeza que a vida em São Paulo seria melhor, todos afirmavam que a cidade grande oferecia melhores condições de vida. Acreditando nisso, saiu do Paraná foi tentar a sorte em São Paulo.
Alugou uma casa de três cômodos para abrigar sua esposa e seus três filhos. Uma casa humilde, não tinha móveis, conseguiu comprar apenas os colchões para dormirem.
Enquanto ele saia para trabalhar, Dona Ester ficava fechada em casa com os filhos, tinha medo da cidade grande. Seu único passatempo era ensinar os filhos a escrever cartas para os parentes que ficaram para trás. Foi assim que os filhos Betinho, Sofia e Margot foram alfabetizados.
Na escola Betinho não tinha muita paciência, logo percebeu que toda a lição que a professora passava, ele já sabia ou terminava primeiro que os seus coleguinhas, achava que não tinha nada de novo para aprender.
Isto o desmotivou, fez com que ele aos poucos se interessasse mais pelas brincadeiras que pelos estudos, ao contrário de sua irmã Sofia, que se dedicava cada vez mais.
Já no primeiro bimestre de aula, a direção da escola avisou que seria realizado um passeio ao zoológico da cidade, a notícia causou uma ansiedade em todos os alunos, inclusive em Betinho.
Porém iriam ao passeio as turmas que mais se destacassem, o propósito era estimular os alunos a se dedicarem cada vez mais aos estudos. A escola promoveu uma espécie de campeonato do conhecimento e os vencedores seriam premiados com o passeio ao zoológico.
As regras eram simples, foram sorteados cinco alunos de cada turma, eles iriam concorrer entre si representando o restante dos alunos, teriam que responder sobre matemática.
Para sua surpresa, Betinho foi selecionado e a competição teria início já no dia seguinte.
A partir desta notícia ele entrou em desespero, sabia ler e escrever, mas matemática não o interessava, pouco estudava a tabuada, não fazia as lições de casa.
Na noite que antecedeu a disputa, Betinho mal conseguiu dormir, suava frio, seu coração disparava, tremia de ansiedade, mil pensamentos passavam por sua cabeça.
Sua única preocupação era com os colegas, ele não poderia prejudicá-los, se perdesse a competição jamais se perdoaria. Não conseguiria conviver com este peso em suas costas.
Para uma criança essa responsabilidade tomou grandes proporções, mas ele soube tirar uma grande lição disso tudo.
No dia da competição, sua reação ainda era a mesma, de pavor misturado com ansiedade.
Foi dado o apito para início das atividades e lá foram eles para a disputa, teriam que resolver a tabuada, conforme os números sorteados, começaram com a tabuada do 4, em menos de dois minutos, o time do Betinho fez 1 a 0 no placar, saíram na frente, mas Betinho parecia que ia ter um infarto, de tão desconcentrado e nervoso que estava.
Segunda rodada teve início, os adversários conseguiram empatar, para desespero maior de Betinho.
Na terceira rodada, fizeram 2 a 1 a tabuada sorteada foi a do dois, que terminou rapidamente.
A quarta rodada seria definitiva para a turma de Betinho, se ganhassem ele não precisaria entrar na disputa.
Ele começou a rezar desesperadamente, pedindo que seu amigo vencesse a disputa, se isso acontecesse prometeu que mudaria seu comportamento, se dedicaria melhor aos estudos, procuraria ser mais humilde e ouvir os seus mestres.
As vezes devemos crescer muito rápido e aprender que a responsabilidade deve prevalecer em nossa vida, para proporcionar grandes conquistas.
Suas preces foram ouvidas, em menos de um minuto seu colega resolveu a tabuada sorteada, a do nove, deixando o adversário derrotado. Venceram a disputa pelo placar de 3 a 1, para sua felicidade.
Enfim, chegou o dia do passeio para alegria de todos, mas Betinho não se sentia merecedor daquele prêmio e cedeu seu lugar, a professora entendeu sua atitude e realizou um sorteio entre os alunos desclassificados, para ver quem iria em seu lugar.
Após este episódio, Betinho parecia outra pessoa, sua dedicação aos estudos parecia não ter fim, queria se aproximar do mesmo patamar que se encontrava Sofia, como a melhor aluna da turma.
Com muita dedicação e esforço, logo estavam empatados, como os dois melhores alunos da turma. A professora admirada com o desempenho dos dois, que haviam passado antecipadamente de ano, resolveu fazer uma experiência com eles, para testar seus conhecimentos, os transferiram para uma turma do 2º ano.
Para sua surpresa, eles conseguiram acompanhar os estudos, realizaram as provas e os exames finais e conseguiram boas notas para aprovação, mas como estudaram apenas dois meses no segundo ano, não puderam ir diretamente para o terceiro ano.
A partir daí Betinho não parou de progredir, seu interesse pelos números aumentaram cada vez mais, se tornou o melhor aluno de matemática da escola e durante os anos que permaneceu por lá, era o aluno que que disputava as Olimpíadas da Matemática, uma competição realizada entre as escolas do município.
Vivemos algumas situações que podem deixar marcas profundas, ainda mais quando somos crianças, essas marcas poderão nos acompanhar pelo resto de nossas vidas. Algumas podem até cicatrizar, mas jamais serão esquecidas.