Amigas inseparáveis
Helena e Marina são amigas inseparáveis desde a adolescência. Estudaram no mesmo colégio, no mesmo cursinho e prestaram exame vestibular para a mesma faculdade de Direito, logrando, ambas, aprovação. Marina, moça de família abastada, e Helena de casal de funcionários públicos. Esta diferença não as distanciava. Pelo contrário, a inexistência de afeto dos pais de Marina para com ela estreitava os laços de amizade entre as duas garotas.
Helena foi sempre tímida e mais estudiosa do que Marina. Esta última, uma “porra louca”, como se diz popularmente para pessoa que age espontaneamente, de maneira extravagante; que age e reage aos fatos e circunstâncias livremente, de acordo com o próprio jeito e vontade. Pessoa sem preconceito, que se comporta de modo não formal, não comum, que não se preocupa com a opinião dos outros na hora de tomar uma atitude. Costuma agir de forma inconsequente ou irresponsável.
Nesta condição, Marina trouxe muitos momentos desagradáveis para Helena, às vezes preocupantes, outras, hilariantes. Apesar disso, nunca a amizade entre as duas foi abalada. Ficavam sem conversar por alguns dias, mas logo voltavam a se falar. Depois de muitas gargalhadas, tudo era esquecido. Colegas da faculdade pensavam até que elas formavam um casal homoafetivo. Os garotos não se aproximavam delas com a intenção de namoro. Entretanto, elas eram heterossexuais, só não estavam preocupadas em se comprometer com homem algum e perderem a liberdade de que gozavam.
Eram as moças mais divertidas da faculdade. Todos os colegas gostavam delas, mas faziam bastante restrição ao comportamento tresloucado de Marina. Quando ela exagerava no comportamento, alguns colegas, principalmente as moças, procuravam se afastar, pois dali, alguém poderia sair machucado ou bastante constrangido. Marina realmente não media as consequências de seus atos. Até em sala de aula ela costumava pregar suas peças, fazer e acontecer.
Um dos últimos episódios que tenho notícia sobre as duas companheiras aconteceu durante programação social oferecida pelos organizadores de um congresso reunindo estudantes de Direito, em uma boate na cidade de São Paulo.
Marina, eufórica como sempre, se divertia muito, enquanto Helena vigiava seus movimentos. Mary, como chamava Helena a amiga, beijava todos os garotos que dela se aproximavam. Ela não largava uma garrafa de Ice, mistura de vodca com limão. Bebia uma atrás da outra.
Já passara das três horas da manhã quando Marina, depois de tomar todas, apagou, caiu no meio do salão, sem sentidos. Socorrida pela amiga, foi levada de táxi ao hospital. Os médicos aplicaram-lhe glicose e mandaram que Helena a levasse para o hotel onde estavam hospedadas.
Ainda meio tonta, Marina foi colocada em uma cadeira de rodas pelos funcionários do hotel. Depois de apanhar o cartão-chave que dá acesso ao interior do apartamento, Helena conduziu Marina ao local de descanso de ambas. Como era a primeira noite hospedada naquele hotel, Helena não havia memorizado o andar e o número do apartamento. Só tinha noção de sua localização, duas portas à direita do elevador.
Chegando ao local pretenso, Helena tirou de sua bolsa o cartão-chave e tentou abrir a porta. Depois de três tentativas, encostou a cadeira de rodas na parede, falou para a amiga que iria até a recepção comunicar o insucesso para abrir a porta. Sonolenta, Marina balançou a cabeça concordando com a amiga.
A moça, inadvertidamente, deixou repousada no colo da amiga o cartão-chave. Na recepção, a garota relatou o acontecido e em companhia de funcionário do hotel, consultou no computador qual o andar que as duas estavam hospedadas e foram ao encontro de Marina. Ao chegarem perceberam que não havia cadeira de rodas nenhuma, muito menos Marina se encontrava lá.
Desesperada e já chorando, Helena passou a gritar com o funcionário do hotel. Ela perguntava:
— Como é possível uma pessoa desaparecer no meio da noite do corredor de um hotel?
Em reposta, e tentando confortar a sua interpelante, o funcionário do hotel falou calmamente:
— Moça, isso realmente não é possível. Sua amiga deve ter melhorado e levado a cadeira de rodas para a recepção. Desçamos e vamos verificar.
Ambos entraram no elevador e foram até ao lobby. Só encontraram as recepcionistas e destas ouviram que ninguém com cadeira de rodas aparecera por lá, o que deixou Helena mais descontrolada e confusa.
– Não é possível isso, vamos procurar nos quatro cantos do hotel, restaurante, piscina, salões, e em todos os andares. Se ela não for encontrada chamarei a polícia, acrescentou Helena.
Mais funcionários foram colocados para localizar a garota na cadeira de rodas. – Primeiro, nos compartimentos inferiores e depois em todos os andares, falou o gerente do hotel. Se não encontrarmos a garota, procuraremos em todos os apartamentos, concluiu.
Alguém perguntou se elas não se comunicavam por celular. Helena respondeu que elas haviam deixado seus aparelhos no apartamento, pois não precisariam deles, já que estariam em uma sala de congresso e depois em uma balada.
Conformados com a resposta, os funcionários saíram à procura da garota sumida. Eles eram em número de cinco e mais Helena. Cada um saiu em uma direção: piscina, restaurante, academia, bar, salas de congresso, banheiros, jardim etc.
Depois de quase duas horas de procura, Marina foi encontrada. Estava no 13º andar, defronte do apartamento de número 1302, exatamente duas portas à direita após o elevador, em sono profundo e babando muito. A amiga se abraçou com ela, chorando, o que fez a moça acordar. Bastante assustada ela perguntou o que estava acontecendo, o que ela estava fazendo em uma cadeira de rodas em frente do apartamento 1302, já que suas malas foram colocadas no apartamento 1202, no 12º andar, pela manhã.
Foi aí que Helena se deu conta de que havia se enganado de andar e de apartamento. Os funcionários também ficaram desconcertados, pois era uma questão que deveria ter sido levantada primordialmente.
Aliviadas, as garotas foram para o apartamento. Já passava das seis da matina e elas estavam muito cansadas. À tarde teriam que participar de palestras e ouvir trabalhos no local do congresso.
Os funcionários da recepção foram advertidos pelo gerente quanto à negligência no caso.
Gilberto Carvalho Pereira
Fortaleza (CE), 12.11.2014