Terra Vermelha

Na estação ferroviária de Conselheiro Pena estava toda a família do Coronel Campos Soares. Duas vezes por ano, nas férias, eles repetiam essa rotina: esperar o Durval, filho mais velho do Coronel.

Mas desta vez tinha um sabor especial. O rapaz havia se formado e estava voltando de vez. Dona Catarina esperava o filho com lágrimas nos olhos. As três irmãs e os dois irmãos estampavam no rosto o orgulho de ter irmão doutor.

Mesmo somando todas as alegrias, ainda assim, não haveria comparação com a felicidade do Coronel. Este estava radiante. Chorou por horas sozinho no capoeirão; pra não dar na vista. Seus olhos estavam inchados.

- Foi marimbondo que picou meu olho - mentiu pra mulher.

"Mas os dois?". Pensou ela sem nada dizer. Conhecia o marido.

Quando o apito da Maria fumaça soprou, todos ficaram atentos.

Ela apontou na curva parecendo um dragão soltando fogo pelas ventas. Ouve um estardalhaço geral. Além da família, tinha uma penca de curiosos querendo ver o doutor.

Os passageiros se espremiam para descer e, do lado de fora, todos espreitavam pelas janelas a procura do Durval.

- Alá ele lá! - gritou o primo Augusto apontando.

Tiveram o ímpeto de invadir o vagão.

Durval se surpreendeu com tamanha festa. Parecia que toda a cidade estava ali. Teve que arranjar forças pra não decepcionar sua comitiva de boas vindas. Afinal, estava cansadíssimo da viagem.

O doutor teve a honra de ir ao lado do pai no jipe Willis - o primeiro que apareceu na região. O séquito se esforçava para segui-los a pé, em cavalos ou em carroças.

Para a alegria do pai, Durval não se acostumou na cidade grande. Queria exercer sua profissão naquela região mesmo.

Andou pela fazenda que sempre habitava seus pensamentos no quartinho solitário em que morava. O pé de jamelão, a mangueira, o abacateiro, o gado, os cavalos, os suínos. Lembrou de sua infância, os banhos no rio Itatiaia com os irmãos e amigos. Fazia quase dez anos que estava longe. Não parecia. Sentia como se nunca tivesse saído dali.

A mãe o chamou pra comer. Observou aquela mesa enorme no meio da copa, com seus dois bancos de comprido - onde toda a família se reunia para as refeições.

Dona Catarina se esmerou nas iguarias favoritas do filho; café forte, leite morno, broa de milho, brioches, sonhos, suspiros, queijo Minas fresquinho, brigadeiros, pães de queijo recém saídos do forno. Era apenas o café da manhã, mas havia ali um banquete.

Alguns meses se passaram em total euforia. Toda a família estava feliz com o retorno do Durval que, como o filho pródigo, mas sem nunca ter dado trabalho, seu retorno foi tão esperado quanto o do paralelo bíblico.

Conselheiro Pena é uma cidade muito pequena. Mesmo trabalhando para a prefeitura, o doutor Durval não conseguia se manter muito ocupado. Estudou medicina a fim de ajudar as pessoas. Mas aquele povo era por demais saudável e as crianças, na sua maioria, continuavam nascendo pelas mãos das parteiras. Durval atendia mais bicho que gente.

- Eu devia é ter estudado veterinária, isso sim - falou para si enquanto fazia um curativo na pata de um cavalo da fazenda.

Todos concordavam, o velho Coronel parecia ter rejuvenescido após a volta do filho. Seu rosto carrancudo e severo experimentava sorrisos outrora impensáveis. Além do mais, ter um filho doutor o tornava ainda mais importante na região. Por esses motivos é que Durval estava tendo muita dificuldade em comunicar ao pai seus novos planos.

Resolveu chamá-lo para pescarem juntos no rio Itatiaia.

Os dois estavam sentados lado a lado em silêncio. As linhas frouxas de cada vara morriam na água. Nenhum movimento. Até os peixes pareciam saber que Durval precisava falar com o pai. O coronel já havia notando mudanças no filho. Soube por terceiros de algumas queixas dele.

Diante da timidez do rapaz, resolveu puxar a conversa:

- Como está lá na cidade meu filho?

- Bem até demais pai. O povo daqui tem saúde de ferro.

- Ocê num tá tendo muito serviço né?

- Pois é pai, é complicado, por um lado fico feliz do povo tá bem de saúde, mas por outro, eu queria ser mais útil sabe?

O pai ficou em silêncio. Começou a dobrar, o que logo seria um cigarro de palha. Acendeu, soltou a fumaça no ar.

- E os bichos meu filho? - falou sem olhá-lo - ocê vem cuidando bem deles.

- Eu sei pai, é gratificante cuidar dos animais, principalmente os da fazenda. Mas eu não estudei pra isso. Estudei pra curar gente.

O coronel olhou o pito. Ficou pensativo.

- Sabe filho, quando você quis estudar, eu concordei, mas achei que iria te perder. Daí quando você decidiu ficar na fazenda, me encheu de alegria. Pensei que a cidade grande não havia conseguido te fisgar. Mas agora entendo que não foi bem assim. Você ficou muito tempo lá e não escapou do feitiço.

Durval olhava a linha espichada da vara. Fazia um silêncio desconcertante. Arriscou:

- De certa forma o senhor tem razão. Não me acostumei com a cidade grande. Ficava o tempo todo estudando. Quase não saía. Mas alguma coisa mudou sim. Aqui na fazenda a gente consegue viver sem saber o que está acontecendo no mundo. Mas quando a gente sai, acaba descobrindo coisas que talvez nem quisesse saber.

Não era fácil digerir as palavras do filho. Ele tinha razão, a segunda guerra mundial só chegava ali através de parcas e duvidosas notícias; e ninguém ligava muito.

- Eu sei filho, aqui nesse fim de mundo a gente fica desligado de tudo. Mas me diga, o que você pretende fazer?

Durval se surpreendeu com a objetividade do pai.

- Eu queria ir pra algum lugar onde eu pudesse ser mais útil sabe?

- Você quer ir pra capital meu filho?

- Não sei pai, na verdade eu não gosto de cidade grande. Mas tem Governador Valadares, que é pertinho daqui e bem maior. Lá eu teria trabalho.

O Coronel deu uma estremecida. Em Valadares havia um grande desafeto seu, o Coronel José Pimenta. As duas famílias vinham de um passado sangrento. Durval conhecia as histórias. Sentiu a preocupação do pai.

- Eu sou um médico pai, vou lá pra trabalhar. Não vou me envolver em confusão. Além do mais, Valadares é pertinho daqui, eu posso vir todo final de semana.

O Coronel Campos Soares sabia que o filho estava mexendo em vespeiro. Também sabia que se tentasse impedi-lo, poderia ser pior: "e se esse menino cisma de ir pra essa tal de guerra?". Chegando na fazenda, o Coronel tomou uma decisão que surpreendeu a todos.

- Morar em Valadares? Você ficou louco homem?! - bradou Dona Catarina.

- Sim mulher, vamos morar em Valadares. Lá o Durval pode trabalhar e nossos filhos vão poder estudar. Além do mais estou cansado dessa vida de roça. Precisamos evoluir.

- E Zé Pimenta homem de Deus?

- Ele não é dono da cidade.

A esposa sabia que ele queria era estar por perto pra proteger o filho dileto. Sabia também que aquela mudança seria para o Coronel José Pimenta - seu primeiro pretendente devidamente desprezado - uma provocação. E pior, sabia que não podia fazer nada para dissuadi-lo, o marido era teimoso feito porta e se tinha decidido, ninguém o faria voltar atrás.

A cidade de Governador Valadares recebeu esse nome por causa do folclórico governador mineiro Benedito Valadares; ex-sogro do grande escritor Fernando Sabino. Era uma das cidades do Estado que mais cresciam; principalmente em população. Um prato cheio para as intenções do doutor Durval.

O Coronel comprou e mandou reformar um casarão enorme numa das principais ruas da cidade. Mobiliou com o que havia de melhor. Mudaram-se.

Não havia quem tirasse da cabeça do Coronel José Pimenta que a vinda dos Campos Soares para a cidade era uma provocação pessoal contra ele.

- Uma afronta - dizia - Campos Soares quer é exibir o doutorzinho pra me humilhar. Mas isso não fica assim não. Mas não fica mesmo.

Entre os motivos das desavenças entre as duas famílias, havia o comentário a respeito do filho do Coronel José Pimenta, que, além de não ter se formado em nada e nem de ter assumido os negócios do pai, não tinha lá muito jeito de homem. Ninguém falava claramente, mas muitos já viram o Pedrinho Pimenta na companhia de outros rapazes um pouco espalhafatosos. Nunca se interessou por mulher, andava com um requebrado suspeito nos quadris e sua voz saia fina e irritante. A comparação entre os dois primogênitos era inevitável.

Foi preciso a intervenção do Governador para que Durval pudesse trabalhar na prefeitura. Isso só aumentou o ódio do Coronel José Pimenta. Perdeu sua primeira batalha.

Apesar de não ter usado sua influência junto ao Governador para provocar o Coronel e sim para ajudar o filho, Campos Soares não deixou de regozijar-se.

José Pimenta já estava no cume do seu ódio quando sua filha, a Estelinha, ficou doente. Tuberculose. Mesmo assim não permitiu a visita do doutor Durval em sua fazenda. Considerou a oferta do médico como outra ofensa. A menina, que só tinha treze anos, ficou sob cuidados de diletantes e acabou morrendo.

Assim o Coronel José Pimenta ainda passou a conviver com a revolta da própria esposa, que o acusava da morte da menina por: "orgulho idiota" - como ela lhe dizia.

Mas seu ódio não se aplacou com a morte da filha, pelo contrário, acreditava que a vinda dos Campos Soares para Valadares é que tinha trazido a desgraça para ele e sua família.

Campos Soares não fazia nenhum esforço para atazanar a vida do outro. Mas seria querer santificá-lo na história se eu não registrasse que, as aperreações porque passava Zé Pimenta, lhe davam certo prazer. A verdade é que ele não perderia a chance de aporrinhá-lo.

Foi assim que, alguns meses depois, chegando na mercearia do seu Elias, Campos Soares percebeu uma chance de ouro para provocar seu desafeto.

- Mas que frango bonito seu Elias.

- Bonito sim né coronel Campos - falou com orgulho o comerciante que embrulhava a ave assada.

- Quero comprar?

O comerciante gelou.

- Mas... mas... mas seu coronel - gaguejou - já está vendido.

- Vendido pra quem? Se não vejo nenhum freguês aqui além de mim? - perguntou olhando nos olhos do homem.

O comerciante ainda hesitou, mas percebeu que não poderia mentir.

- Pro Coronel Zé Pimenta sô. Ele mandou que eu assasse pra ele. Foi ali na barbearia e já está voltando.

- Ele já pagou?

- Não senhor, ficou de pagar na volta.

Campos Soares riu sarcasticamente.

- Então não está vendido coisa nenhuma - e se achegou ainda mais no balcão - quero esse frango e pago o dobro.

- Mas Coronel, não posso não, assim o senhor me complica. - O suor escorria de sua testa.

- Não tem conversa não, aqui é uma venda, o frango taí, o senhor é comerciante e vai me vender.

O homem estava num mato sem cachorro. Não tinha como negar. Entregou o frango ao Coronel e colocou outro pra assar logo em seguida.

Quando Campos Soares estava saindo cruzou com Zé Pimenta. Este percebeu o embrulho nas mãos daquele e ainda sentiu o cheiro. Voltou-se pro comerciante:

- O que aquele cachorro comprou? - Rosnou Zé Pimenta.

- Nada não seu Coronel - mentiu o comerciante.

- Cadê meu frango?

- Tá assando seu Coronel.

- Mas já se passaram mais de meia hora homem.

- O forno apagou e eu não vi.

Chegou seu rosto junto ao do comerciante. Este sentiu um líquido quente escorrendo pelas pernas.

- Ocê tá mentindo pra mim né seu cagão - pegou-o pelo colarinho - vendeu praquele filho da puta né?

O homem só fazia tremer. José Pimenta ganhou a rua e viu Campos Soares em cima do invejado Jeep Willys arrancando uma coxa do frango e oferecendo pro filho. Em seguida arrancou outra para si. Zé Pimenta ferveu:

- Seu fio duma égua, tá querendo é briga né! - falou da porta da mercearia.

Do outro lado da rua Durval degustava seu pedaço de coxa sem entender nada. Campos Soares riu:

- Ocê tá falando do frango? foi ocê que encomendou? deve ter sido mesmo - e cuspiu um pedaço no chão - isso aqui tá parecendo é carne de veado.

O homem bufou feito touro. Não conseguia dizer palavra.

- Quer seu frango Zé Pimenta? Então toma - jogou o frango assado sem pernas na rua; esse rolou pela terra vermelha.

José Pimenta olhava seu frango tingido no chão - tipo à milaneza. Estava para ter um troço. Campos Soares mandou que Durval ligasse o jipe:

- Vão bora fio.

Cabo Moura tinha fama de carniceiro na capital. "Bandido bom é bandido morto". Pleiteava para si a autoria da notória frase. Não sei se é verdade, mas o fato é que o cabo tinha realmente muito defunto na cintura. José Pimenta mandou chamá-lo.

- Seu cabo, tô precisando de um servicinho seu.

- Que tipo de serviço seu coronel?

- Abatê uma ave pra mim.

O policial ficou um tempo digerindo a metáfora.

- Mas seu coronel, eu sou homem que não da colher de chá pra bandido; todo mundo sabe disso. Mas eu também sou um homem da lei. Não posso ficar matando passarinho qualquer por aí não.

- É urubu seu cabo, é um urubu que eu quero que o senhor abata - falou tirando um maço de notas da gaveta - e o senhor será bem pago.

Cabo Moura viu sua casa própria naquelas notas:

- E de que urubu se trata seu Coronel? - falou abrindo um sorriso enquanto dedilhava as notas.

José Pimenta deu todas as instruções:

- ...daí seu cabo, ocê arruma um quiproquó qualquer com o doutorzinho. É fácil, ele fica andando pela cidade medicando os pobres. Através dele o senhor chega em Campos Soares. Aquele velho filho da puta quase não sai de casa ou da fazenda dele. Mas tem que fazer a coisa direitinho. Ninguém pode desconfiar que eu estou por trás disso. Entendeu?

- Entendi seu coronel, pode ficar tranqüilo.

- Se fizer o serviço de acordo, ganha outra bolada dessas.

Os olhos do Cabo brilharam cifrônicamente.

Instalou-se num hotel na avenida principal. Ficou andando pela cidade colhendo informações. Não foi difícil - todo mundo conhecia o doutor Durval.

O dono do bar explicava que não entendia o que tinha acontecido. O filho, moço tão pacato e responsável, que o ajudava no bar, levou um tiro na perna quando voltava da casa da namorada, passando pelo centro da cidade. Ninguém viu nada.

- Seu doutor, nós não temos inimigos - choramingou - quem será que fez uma coisa dessas com meu filho?

- É mesmo muito estranho seu Jonas - Falou terminando de envolver a faixa na perna do rapaz - mas ele deu sorte, pegou de raspão. Eu imobilizei. Ele vai ter que ficar de cama um tempo, mas vai ficar bom.

A casa ficava em cima do bar. Desceram as escadas.

- O doutor quer alguma coisa? - perguntou o comerciante.

- Me vê um drops de hortelã seu Jonas.

Durval já havia ganhado a saída do bar quando ouviu aquela voz:

- Então você que é o famoso doutor.

Ele olhou pra trás e viu o cabo Moura, à paisana, sentado numa mesa do lado de fora do bar.

- Famoso eu não diria, mas sou médico sim senhor. Em que posso lhe servir?

O cabo se levantou:

- Meu nome é Moura, qual a sua graça?

- Durval - respondeu tentando achar familiaridade naquele rosto - não me lembro de ter visto o senhor antes.

- Eu não sou daqui não seu doutor, tô aqui a negócios - falou rindo ironicamente - vamos tomar uma caninha?

- Obrigado amigo, mas eu não bebo.

- O doutor vai me fazer essa desfeita?

Durval sentiu algo estranho naquele homem.

- Não é desfeita não, o senhor me desculpe, é que eu não bebo mesmo.

Durval era um homem magro, de altura mediana, de pequenos e mansos olhos. Não inspirava força física.

- Logo se vê que o doutor é um maricas - falou se aproximando ainda mais - cachaça é coisa pra macho - e virou todo o conteúdo do copo que estava em sua mão.

Durval sentiu o hálito forte do homem. Também sentiu ódio. Queria fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Estava mudo de raiva.

- Mas o Doutorzinho é frouxo mesmo heim! - falou pegando-o pelo colarinho. Durval sentiu seus pés abandonarem o solo.

Largou-o, a camisa branca estava rasgada na altura do peito. Dois botões cederam. Durval tremia contraindo o rosto e sentiu que lágrimas lhe escorriam.

- Então a mariquinha vai chorar, vai? Vai chamar o papaizinho pra te proteger? - e lhe deu uma bofetada forte no rosto.

Mais lágrimas apontaram dos seus olhos. Entretanto não conseguia tomar nenhuma atitude. Sua natureza pacífica não permitia. O homem não lhe dava trégua. Estapeou-o mais algumas vezes e continuou a ofendê-lo. Por fim ameaçou:

- Eu sei onde você mora seu doutorzinho de merda. Sei quem é a sua família. Vocês acham que são donos de tudo isso aqui né? - só porque tem dinheiro e diploma? pois eu vou acabar com toda essa pose de vocês. Agora vai e conta pro seu papaizinho - falou empurrando-o para a rua. - Eu vou na sua casa hoje e se ele não for um mariquinha como você, que me enfrente.

Durval virou-se a fim de se retirar. O cabo ainda lhe deu um chute nas costas e o doutor caiu na rua tingindo seu branco uniforme. Ficou tão vermelho de terra quanto aquele frango.

Estava há horas trancado no quarto. Os apelos de dona Catarina batendo na porta de nada adiantaram.

Todos viram quando ele chegou com a camisa toda rasgada, todo sujo de terra e com o rosto muito vermelho e inchado - menos o pai que naquele dia foi resolver algumas pendências na fazenda.

Já eram quase quatro da tarde quando finalmente ele saiu do quarto. Estava com a mesma roupa suja e rasgada.

- Edinho! - chamou o irmão - pega o Victor, vai de jipe pra Conselheiro Pena e não deixa o pai vir pra cá de jeito nenhum. Inventa qualquer coisa. Esperem um recado meu.

O irmão concordou sem perguntar. Pegou a chave do Willis, chamou o mais novo e se foram.

- Mãe, a senhora pega as meninas e vai pra casa da tia Dorinha. Depois eu vou lá e busco vocês.

- Mas o que tá acontecendo meu filho?

- Não dá pra explicar agora mãe, a senhora vai ter que confiar em mim. Depois eu conto tudo.

- Mas você vai ficar aqui sozinho meu filho?

- Confie em mim mãe, por favor. Agora vai e leva as meninas.

Contrariada, dona Catarina obedeceu.

O Cabo Moura se admirou de ver Durval sentado na varanda ainda sujo de terra e com a mesma roupa rasgada. Diminuiu a marcha - parou.

- O Doutorzinho criou coragem? Vai me enfrentar é? Cadê o papaizinho heim?

Durval não se moveu e nem disse palavra. Olhava nos olhos do Cabo.

- Será que a mariquinha virou homem? - e recomeçou a andar em direção a casa. Parou do outro lado da rua.

- Não lhe aconselho a dar mais nenhum passo - advertiu Durval.

- E o que a mariquinha vai fazer heim? Vai chamar o papai?

Era fim de tarde e o sol começava a baixar por trás da casa dos Campos Soares. O que restava dele iluminava o rosto do Cabo.

- Acho que vou ter que ir aí te dar mais uns tabefes - falou atravessando lentamente a rua e tirando a arma da cintura.

Mas o cabo, com a vista prejudicada pelo sol, não viu que Durval já havia sacado a garrucha do pai e que esta já estava apontada para seu peito.

Atirou sem se levantar.

O Cabo caiu no meio da rua. O tiro pegou pouco abaixo do pescoço. Ficou agonizando no chão de terra – agora ainda mais vermelha.

Durval levantou-se calmamente, atravessou o pequeno portão do alpendre e foi até o homem que se contorcia no chão.

- Então você precisou atirar na perna de um inocente pra arrumar confusão comigo né?

O Cabo se arrastava feito uma cascavel sem rumo. Olhava pra cima e via o sol escurecendo e o rosto magro do doutor. A arma tinha lhe escapado da mão.

- Quanto foi que o filho da puta do Coronel José Pimenta te pagou pra matar meu pai?

O cabo só fazia rastejar. O sangue se misturava na terra fazendo uma poça rubra e lamacenta.

O sol finalmente sumiu atrás da casa dos Campos Soares - o último do cabo Moura. Este ainda se lembrou do dinheiro que deixou dentro da mala no hotel. Pensou mais uma vez na casinha que pretendia comprar.

A vista começou a falhar, mas ainda viu a ponta do cano da garrucha mirando sua cabeça, fechou os olhos e ouviu a voz do doutor:

- Isso é pra você aprender que não se bate na cara de um homem!

Atirou.

Fernando Tamietti
Enviado por Fernando Tamietti em 11/06/2007
Reeditado em 21/10/2011
Código do texto: T522572
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