Caixinhas de presente
Dia 25 de julho de 2014 completei setenta anos de vida. Nunca pensei em chegar a este marco. Também nunca pensei em viver mais ou menos, isto é, este assunto me era indiferente. Sempre vivi o tempo presente, sem fazer projetos a médio e longo prazo. Sempre quis estar bem a cada momento de minha vida, seja em casa, no trabalho, com os familiares e amigos. Não confundir com o se dar bem - Lei da Vantagem ou Lei de Gérson – quando uma pessoa procura obter vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais. Não sou um irresponsável, que negligencia o dia de amanhã. Mantenho minhas obrigações sempre em dia, para não prejudicar o dia presente.
Não é que hoje acordei pensando sobre a vida, sobre o seu significado, sobre o tempo da vida das pessoas? Aí eu me perguntei, será que é a velhice chegando? Será que meu tempo está acabando? Como meu tempo é o dia de hoje, levantei-me mais do que depressa e vim para o computador, com a ideia de escrever sobre a vida, sobre o que eu penso dela.
Para uns, viver a vida é retirar momentos das gavetas de um grande guarda-roupa. Eu não gosto dessa ideia, pois entendo que a vida já não é dada, não a encontramos engavetada, bem arrumadinha e para vivê-la, basta abrir a porta do guarda-roupa. Ela deve ser construída no dia a dia.
Outros dizem que a vida é um grande baú, onde vamos guardando nossas experiências, nossas alegrias, nossos dissabores, nossas angústias, nossa infância, nossa adolescência, nossa juventude, nossa maturidade e quando chega a velhice, hoje chamada de melhor idade (?), é quando não conseguimos mais fechá-lo, tudo acaba. Antes disso, podemos remexê-lo; é o passado manifestando-se no presente.
Também não gosto desta metáfora, baú, conotação de coisa velha. A nossa vida está sempre em movimento, se renovando a cada dia, até o último suspiro, quando passamos para outra dimensão, outra expressão, outra manifestação do viver, ainda completamente desconhecida por nós aqui da terra.
Para mim, viver a vida é como receber caixinhas de presente. Todas elas trazem surpresas. Umas desagradáveis. Outras, nem tanto. Muitas nos trazem o prazer, a alegria, a satisfação de estar vivo, de compartilhar essa vivência com quem nos ama e com quem amamos. Como são caixinhas de mimos que ganhamos diariamente, não podemos devolvê-las, temos que aceitá-las de bom grado. É como se fosse falta de educação recusar um presente comprado com tanto carinho.
Devemos saber dar destino às caixinhas de presentes recebidas. Algumas podem ser imediatamente abertas, são aquelas com validade de troca curta. Outras podemos deixar para abri-las mais tarde, nas ocasiões especiais, são caixinhas delicadas, que mexem conosco e que podem mudar completamente o nosso modo de viver o presente. Elas têm que ser abertas com cuidado, aos poucos e de modo pensado. Qualquer precipitação no abrir podem nos levar a caminhos que jamais pensávamos percorrer.
Algumas podemos esquecê-las por completo, pois não são de nosso agrado, não nos vão fazer falta ou mesmo podem até nos prejudicar se forem abertas, O melhor é deixá-las bem escondidas e afastar a tentação de abri-las. Elas podem estragar completamente a nossa vida, se abertas.
Se você vive prazerosamente a cada dia, tenha carinho com as caixinhas de presente que você recebe diariamente. Procure classificá-las cuidadosamente, elas guiarão o seu modo de vida, a sua felicidade, a sua saúde, o seu trabalho, o seu relacionamento com os familiares e amigos.
Sejam felizes, sempre!
PS. Para driblar os mistérios da vida, concordo com Mário Quintana, que disse: ”Minha principal característica foi sempre o bom senso. Foi o bom senso que me afastou das questões metafísicas da adolescência, pois se nem Platão e outros craques da Antiguidade, se ninguém, em trinta séculos de pensamento, conseguiu decifrar o significado da vida – muito menos eu! Fiquemos com o mistério da poesia.” (Steen, Edla van: 2.ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008).
Gilberto Carvalho Pereira
Fortaleza (CE), 9 de outubro de 2014