Notícia de jornal
 
     José e Maria são nomes que sombreiam a certeza de aceitação pelos titulares; primeiro a minimização, depois a popularidade. Eles aceitam o pseudônimo de Zé sem protesto, elas se esquivam pela formação de nomes compostos; Maria da Penha, da Conceição, da Glória... E sendo tratadas pelo segundo, escapam da simplicidade do primeiro e coerência de serem bondosas Marias, carisma da Mãe de Jesus e Madalena, salva por Ele.
     A situação de José Manoel é melindrosa. Por temer ser chamado de Zé Mané, esconde o Manoel. Não, a bondade e disposição de ajudar o próximo, estigma de quem é Zé. Assim, é requisitado pela comunidade onde mora, a qualquer hora para atender variadas situações, até parto já assistiu.
     Aprendeu a sobreviver de quantias recebidas por serviços de pedreiro, eletricista, encanador e agrados da vizinhança. Isso lhe dispensa de procurar emprego, pois trabalho não falta.
     É sujeito miúdo de pouco estudo, mas possui coração do tamanho do estádio do Arruda, onde nos jogos do Santa Cruz é sempre encontrado, mas não há derrota de seu time de coração, ou céu cinzento que lhe escureça o sorriso. Fala e cumprimenta sem exceção. Seu olhar, uma porta aberta, um quintal sem cancela, recebe a todos com o brilho de duas pérolas, e quando lhe pronunciam o nome, faz da garganta, instrumento musical e assobia: “vige como tem Zé, Zé de baixo, Zé de riba, desconjuro com tanto Zé, como tem Zé, lá na Paraíba”.
     Sozinho, mora numa casa de dois vãos e quatro funções; sala, quarto, cozinha e banheiro. Possui TV digital, celular com acesso às redes sociais e vem juntando dinheiro para realização do sonho do automóvel para lazer, pois no dia a dia, prefere a rapidez da moto.
     Não fosse pelo excesso de chuva e um telefonema, aquela madrugada de sábado seria apenas mais uma.  Já se encontrava deitado quando o celular tocou.
     – Boa noite dona Nazaré. Pois não, irei sim, pode me aguardar. 
     De um salto se levantou; vestiu roupa e capa de chuva, desprezou o capacete e preferiu levar uma capa extra. Partiu na moto feito o raio ao salvamento de dona Maria Nazaré. Sim, mas ninguém ouse chamá-la de Maria, ela embrutece e para o restante do dia, não haverá sorrisos.
     Possui um armarinho no bairro onde vende miudezas e ao final da tarde de sexta-feira, intimidada pela chuva, resolveu verificar o estoque e preparar lista de reabastecimento, enquanto esperava o tempo melhorar.  Por volta de uma da manhã, cedeu à fé em São Pedro e pediu ajuda a Zé para levá-la em casa, uma quadra abaixo, não mais de quinhentos metros, temia ser arrastada pela correnteza que dava o esfrega na rua. Solteirona convicta, vive em companhia de dois cachorros.
     Zé chega feito o trovão, logo após o raio como esperado.
     – Dona Nazaré, onde já se viu tanta chuva. Vamos, vista esta capa, sente na garupa e num instante vai estar em casa.  – Obrigada Zé, não sei o que faríamos sem você, é nosso anjo.
      Madrugada típica de assombração; pouca luz, o vento bramindo e sacolejando os galhos do arvoredo, o enxurro arrastando tudo de cima a abaixo e nenhuma alma viva que se atreva abrir janela. Dormem sob o lençol da esperança de não se tornarem notícia de jornal. Nesses dias, queda de barracos, deslizamentos de barreira, gente e carros levados pela enxurrada são acontecimentos comuns.
     Zé inicia a viagem fazendo a travessia da rua em diagonal e se posicionando sobre o bueiro que segue paralelo à via. Uma vala profunda coberta por placas de concreto armado. Nos primeiros metros de descida, a roda dianteira do veículo toca a ponta de uma placa, que se levanta descobrindo o canal. Zé e a moto são engolidos, dona Nazaré é arremessada sobre a placa seguinte.
     Na claridade da manhã, de sol quase apagado, as janelas e portas do casario vão se abrindo e sua gente aparece com olhares de curiosidade. Andam de um lado a outro, bocejam e trocam cumprimento matinal.
– Bom dia!  – Bom dia, quanta chuva, não?  – Sim, não sei o que houve, o celular de Zé está fora de área.  – Deve estar ajudando o povo.
     Um pouco mais acima, próximo ao armarinho de dona Nazaré, ladeira abaixo, homens do corpo de bombeiro se esforçam na remoção das placas de coberta do bueiro.