As cores das coisas
Uma das encucações da vida de Marcos, cinco anos, que os amigos do 1º ano do ensino fundamental chamam de Marc, é sobre a origem das cores. Embora tenha aprendido os nomes das principais cores por volta dos dois anos, em sua cabecinha ninguém descobriu as cores, elas já eram conhecidas há muito tempo, mesmo antes de ele nascer, é só ver o nome das coisas, diz ele:
— Não tem a laranja, a rosa, o capim verde, o céu azul, o preto carvão, o salmão, pergunta ele quando sua mãe tenta convencê-lo o contrário.
Outra curiosidade dele é sobre as cores desaparecerem no escuro, que ele já ouviu falar ser a cor das trevas, embora nem saiba o que isso signifique. Certo dia ele pediu:
— Mamãe, apaga o escuro, eu quero ver a cor do pijama que estou vestindo.
Sua mãe acendeu a luz, ele se olhou todo, disse obrigado, deitou-se novamente e dormiu.
No outro dia, logo cedo, novamente aquela conversa:
— Mamãe, quero saber mais sobre as cores, por que tudo tem cor, até os bichos?
Sua mãe, confusa, já que não tinha muito conhecimento sobre o assunto, levou Marc até a janela, já aberta e começou a falar:
— Quando o sol nasce daquele lado, no horizonte, sua luz vai iluminando as coisas, os bichos, as árvores, as flores, a água e tudo o que existe na Terra. Mais tarde, continuou ela, quando o sol ta lá em cima, nas nuvens, ele fica mais brilhante e as cores mais vivas.
— Então é o sol que faz as cores? Perguntou Marc, mais interessado. E por que as pessoas falam que estão verde de fome, roxo de frio, branca de susto? Ele também faz isso nas pessoas?
— Não é bem assim, quando você crescer mais, vai entender como isso funciona, disse a mãe querendo encerrar o assunto.
Não se dando por convencido ele continuou:
— Por que nossa casa tem muitas cores? Como o homem que sobe na escada consegue fazer isso?
— Aquele homem tem uma profissão, ele é um pintor. Ele usa tintas para pintar parede, porta, móveis e outras coisas mais, respondeu a mãe de Marc já prevendo que aquele papo ficaria mais sério e suas perguntas mais difíceis de serem respondidas.
— Ele carrega as cores naquelas latinhas? Aquilo parece mingau, concluiu o menino.
— É sim, mas não é mingau não, é tinta feita em fábricas.
— Então é o homem da fábrica que faz as cores? Indagou Marc, bastante agitado. Subitamente o menino corre em direção as latas de tinta, que o seu Manuel, o pintor, havia deixado no canto da sala, abre uma delas e derrama o seu conteúdo sobre a sua cabeça. A mãe, desesperada, de um salto só chega ao garoto e com a saia tenta limpar a cabeça dele. Havia pouca tinta na lata e o contato dela com o corpo de Marc não foi expressivo. O menino não entendia o que estava acontecendo e, apavorado, soltou um grito estrepitoso.
Marc foi levado por sua mãe ao banheiro, que ainda bastante trêmula, quase deixa o garoto cair. Água e sabonete foram usados para retirar o restante de tinta do cabelo do menino. A preocupação da mãe era sobre a toxidade daquela tinta. De pronto telefonou para a pediatra que atendia a criança, descreveu o ocorrido e veio a saber, que não havia perigo, pois se tratava de tinta lavável.
Preparando o filho para dormir, a mãe perguntou por que ele havia feito aquilo. A resposta foi imediata:
— Mãe, eu não gosto da cor de meu cabelo, parece fogo, é assim que meus amigos da escola me chamam; cabelo de fogo. Eu queria pintar de outra cor, concluiu Marc, bastante acabrunhado.
A mãe abraçou demoradamente o filho, depois o afastou de seu colo e disse:
— Mas é a mesma cor do cabelo de seu pai e eu acho muito bonito. Também não é com essa tinta que se pinta cabelo, só gente grande como a sua avó é quem pinta cabelo.
— Você também pinta, mamãe! Seu cabelo é preto e agora está amarelo, falou a criança com expressão de esperança no rosto. Completando sua fala, ele acrescentou:
— Quando eu crescer vou pintar de preto o meu cabelo.
Sua mãe, bastante cansada das perguntas e travessuras do filho deu por terminado aquele dia, dizendo:
— Boa noite filho, amanhã cedo você tem escola. Durma bem e sonhe com os anjos e comigo também.
— Boa noite mãe, respondeu o garoto com voz sonolenta.
A história das cores seria esquecida por bom tempo, pensava a mãe de Marc. Quando ele for mais crescidinho e souber as respostas, se lembrará desse dia e rirá muito.
Gilberto Carvalho Pereira
Fortaleza (CE), 27 de abril de 2015