A Cada Um Sua Verdade
Vencidas as resistências a aula começou. Nas duas mesas havia já papel distribuído pelos participantes e lápis com fartura. Toda a gente sabe desenhar um círculo, disse-lhes, mas não era verdade. Alguns dos círculos eram ovais, alongados, perto do que é consensual pensarmos o quadrado. Dentro desse circulo cada idoso desenhou duas bolinhas para representar os olhos, dois buraquinhos para o nariz, uma boca feita a partir do traço que lhe marcava o lugar e, a seguir, ditei o que falta, a saber orelhas, pestanas, cabelos, óculos, brincos e, cada um, a seu modo, compôs o retrato que, na aula seguinte foi pintado com guachos postos à descrição. Acabou por ser divertido para todos e chegámos a verdadeiros achados estéticos. Para variar, o tema seguinte seria um animal que seria desenhado pelo mesmo processo. Recaiu na ovelha a escolha vencedora e lá partimos para uma aventura de círculos, patinhas, repetidos emes e enes para representar a lã, terreno de pasto com florinhas ou só erva, às vezes nem erva. Se não consegue uma cor clara, pinte mesmo com azul, fica giro, moderno, insólito, eu entusiasmava. Ao fim de quase duas horas de luta com pincéis, guachos, água e nervosismo comecei a recolher ao redil do meu coração as ovelhas. Em cada uma vi coisas diferentes. Havia, ali, ovelhas pestanudas, de cascos coloridos a vermelho, boca de dizer poemas, orelhas para qualquer gosto, lã a condizer com os chocalhos. A bem dizer, uma ovelha para cada susto ou inquietação. No dia seguinte foram expostos os trabalhos. Como não houvesse espaço para todos no mesmo painel, isolámos quatro deles ao acaso. Os quatro autores acharam que as suas obras, por serem as melhores, estavam muito bem separadas das demais.