Conto amigo
Alors. Estávamos no “Garota da Urca” almoçando. Desejo do pós-exílio: só um sofá de nome sofisticado e som para, vagarosa e livremente, ouvir músicas. N´outro dia, falávamos de beterrabas, ou melhor, do açúcar europeu proveniente da beterraba. Afinal, a beterraba era vermelha ou branca? Não sabíamos, definitivamente! Mas algo se assemelhava nos dois momentos – almoço e beterraba – e nos tornava menos mergulhadas na rotina e, ao mesmo tempo, falando dela. A certa altura dos acontecimentos, a sábia senhora comentou: vocês notaram que não falamos de assuntos acadêmicos? Com seu jeito tímido, voz baixa, a lentidão encobrindo a argúcia. Frágil corpo, vasta experiência de vida! Falamos de cinema, receitas, ah, várias receitas de pratos com peito de frango, frango inteiro, sopas de ervilhas... éramos quatro mulheres. Conversa vai, conversa vem, a Baía da Guanabara à frente, firmamos contato com o universal, nossa humanidade. A arte de cozinhar, assumida pelos homens, porém, nossa! Feminina, tão nossa que, mesmo não gostando de cozinhar nós mulheres, por vezes, fazemos a mesma bagunça nas agendas e cadernos profissionais: em meio à infinidade de anotações do trabalho e compromissos, misturados mesmo, escritos do lado, de cabeça pra baixo, há boa receita copiada dos programas de TV, ou ditados por outros. Mas... e a sala de som com sofá? O desejo humano de um espaço musical, sofá vermelho especial? Bastavam cinco elementos: a sala – infinita e musicalmente deliciosa! – a desejante, o aparelho de som, as músicas e o tão propalado sofá. Mais nada!