Mingau de milho verde

Era só uma vez ao ano, mas dava pra se lembrar sempre, sem riscos repetição, ou de nostalgia: o mingau de milho verde. O milharal, plantado no quintal, crescia vigoroso e uniforme, absorvendo toda a força que lhe traziam as chuvas.

Crescido, maduro, era um gosto ver aquelas espigas verdinhas, de pontinha cabeludinha, carregadinhas de gostosa e ereta indecência para atrair qualquer apetite - inclusive o da criação, entre cavalos e

cabritos.

A colheita era rápida e fácil, pois até na altura os talos cooperavam. Um ou outro iria virar cavalinho para os menorezinhos, com as orelhas empinadinhas. As espigas é que iam logo sendo despalhadas

despudoradamente, liberadas dos pêlos quase cacheados

e, geralmente sobre uma peneira se amontoavam para o sacrifício maior: a ralação. Essa era tarefa pros mais experientes, e pacientes. Ralar um dedo na superfície metálica e ponteaguda do ralo podia signficar um desastre.

Naquele meio tempo, o tacho de cobre ganhava também suas atenções, sendo areiado com todo o cuidado, e vigor, para que se eliminasse a mais mínima suspeição do zinhavre, aquela nódoa esverdeada, que diziam ser 'um veneno' e que podia botar tudo a perder. E como ficava bonito naquele dia, bonito que tinia e retinia.

E logo, ao fogo de lenha, o mingau se fazia. Uma tachada colossal, que levava horas mexidas a colher de pau. Até chegar ao ponto, coisa que só os entendidos costumavam acertar.

E eis as travessas, tigelas e pratos alinhados para receberem a sua porção. O toque final, para se manter ainda intocado, enquanto resfriava era a canela, em pó, que lhe dava aquele arremate fino amarronzado.

Em meio ao apetite generalizado e manifesto, havia sempre os temores de que a fruta seria pouca pra tanto macaco. Doce ilusão, pois, generosa era produção e passadas duas ou três colheradas, os apetites se acalmavam e a constatação tácita era de que, apesar de

gostoso o petisco, os olhos haviam se provado maiores que a barriga.

Mas não se podia fazer feio. O negócio era aguentar até o final e, os mais levados - sem sufrimento pra espera de vez no banheiro - correr pro matagal.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 20/04/2015
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