O sanduíche

Em meados do ano de 1968, a cidade de Itabuna, que na língua Tupi, para uns, significa pedra preta, para outros, pedra de padre, e, mais ainda, pedras pretas partidas, não apresentava muitas opções de restaurante e lanchonetes, apesar de ela ser considerada cidade rica por causa do cultivo do cacau.

Havia apenas duas ou três lanchonetes que comportasse receber clientes dispostos a ter refeições rápidas, gostosas, higiênicas e com razoável atendimento. Uma delas Lanchonete Avenida, localizava-se na Av. do Cinquentenário, que tinha também entrada pela Rua Paulino Vieira. Ficava aberta até as duas horas da madrugada, talvez a única nessa hora a receber os notívagos e boêmios, que vinham saciar a sede e a fome depois de alguma farra, principalmente nos sábados e domingos. Ela também alimentava as garotas de programa que vendiam seus corpos em demonstração pela Avenida do Cinquentenário. Naquele tempo não havia a Aids, transmitida pela vírus HIV, cujo caso mais antigo e documentado em humanos data de 1959, na República Democrática do Congo. Porém, havia as doenças sexualmente transmitidas DSTs, terror dos homens casados que procuravam essas moças.

Nessa mesma lanchonete habituei a fazer meu lanche noturno, desde minha chegada à Itabuna, em fins de 1967. Quando comecei a namorar aquela que viria ser minha esposa e mãe de meus filhos, ela passou a fazer-me companhia nessas experiências gastronômicas. Já viciado em sanduíche, costume adquirido quando eu morava em São Paulo, minhas preferências se resumiam em dois tipos: Americano e Bauru.

Para melhorar as informações sobre estas duas iguarias, recorri, hoje, à Internet, mais precisamente ao site da Wikipédia, a enciclopédia livre. Lá encontrei que o sanduíche americano não tem origem determinada, pelo nome sugere-se que seja proveniente do Continente Americano. Sua receita recomenda duas fatias de pão de forma quente na chapa, entre estas um ovo frito temperado com sal, duas fatias de queijo mussarela, duas rodelas de tomate e uma folha de alface.

O Bauru é um sanduíche brasileiro inventado por Casimiro Pinto Neto, apelidado "Bauru" em referência à sua cidade natal, no restaurante Ponto Chic do Largo do Paissandu, São Paulo, em 1934. Na lanchonete de Itabuna, o Bauru servido era uma derivação, chamada Bauru Goiano (especial), constituído de pão de forma com presunto, queijo, ovo frito e tomate. Durante todo o período de namoro, noivado e casamento, precisamente nos dez anos que vivemos em Itabuna, fomos fregueses assíduos, aos domingos, dessa lanchonete. Ficamos, entretanto, mais seletivos, passando a pedir apenas o Bauru Goiano. Quando de nossa mudança para Belém, por necessidade profissional, esquecemos esse hábito, por conta das iguarias da Amazônia.

Mais recentemente, agora morando em Fortaleza, fomos lanchar em uma casa de lanches próxima à nossa residência. Quem nos atendeu foi uma garçonete muito simpática que nos apresentou a carta de lanches. Verificando atentamente, minha esposa se deparou com a palavra Bauru. Leu sobre os ingredientes do Bauru local constatando ser a mesma receita do Bauru Goiano, servido na Lanchonete Avenida, de Itabuna. Diferentemente daquela época, o Bauru Goiano é agora apresentado em pão de forma ou em pão sírio.

Seus olhos brilharam, algumas lágrimas rolaram sobre seu rosto, eram as lembranças de sua cidade natal, de seus pais e do nosso começo de vida juntos. Eu fiquei preocupado, mas enxugando as poucas lágrimas que caíam, ela me tranquilizou dizendo o porquê daquela reação. A garçonete que ali permanecia sem entender nada, perguntou:

— Senhora, o que vai pedir?

Com um sorriso no rosto ela respondeu:

— Um Bauru, por favor!

Eu também a acompanhei no pedido, acrescentando:

— No pão de forma, por favor!

Minha esposa procurou explicar o que a garçonete acabara de presenciar. Ao término dessa explicação a garçonete, espontaneamente disse:

— Então vou chamar este sanduíche de Sanduíche do Amor.

Rimos todos, a garçonete se afastou para fazer o pedido e ficamos conversando sobre os tempos da Lanchonete Avenida.

Depois de apreciar com suavidade e atenção o nosso Bauru Goiano, pagamos nossa conta e fomos para casa.

Agora, todas as vezes que nos dirigimos a essa casa de lanches em Fortaleza, somos bem recebidos pela mesma garçonete, que ao nos ver faz festa de cumprimentos, nos leva até a uma mesa disponível e pergunta:

— O de sempre, o Sanduíche do Amor?

Nós dois respondemos, uníssono:

Sim, sem dúvida!

Saímos da casa de lanches satisfeitos, recordamos um pouco do nosso passado. Lá se vão quase cinquenta anos.

Fortaleza, 23 de março de 2015

Gilberto Carvalho Pereira

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 15/04/2015
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