Uma vida, um destino.
Tarde de domingo, um dia quente de março de 1989. Rafael com seus quatro anos, um menino pobre filho de Antônio e Edileusa é nosso personagem principal. Morava numa fazenda, na pequena cidade de Serra Dourada, na Bahia. Seus pais se separaram e o senhor Antônio ficou com a guarda do filho, a mãe desapareceu e ele precisou de um casal para cuidar do Rafael, uma vez que ele não trabalhava em um local fixo. Para isso contou com o apoio de uma família que residia perto da casa dele. Aproveitou assim da amizade que fizera com Alonso e Marta. Tal separação não foi surpresa para eles, sendo que uma vez ou outra flagrava aqueles vizinhos e amigos brigando.
A dificuldade para Antônio criar o garoto já ficava cada vez mais insustentável e Rafael que já ficara com os amigos por meses, terminou sendo criado pela família de Alonso. O que eles não imaginavam é que teriam sérias dificuldades para educar o Rafael, como fazia com seus filhos biológicos. Rafael tinha uma personalidade complicada, menino de gênio ruim, era rude e muito travesso. Os anos se passavam e ele não melhorava. No intuito de discipliná-lo davam lhe surras, sermões... Embora tentassem mostrar que o amava, o garoto insistia em aprontar com as visitas, causando constrangimento para eles.
Esta convivência já durava 12 anos. Durante esse tempo seu pai o visitara algumas vezes, num intervalo de cerca de dois anos. O que pressupõe que seu pai verdadeiro também não conseguia melhorar o comportamento do filho, até porque o tempo era muito curto para isso.
Despois de todo este tempo a sua mãe reaparece trazendo roupas novas, calçados e brinquedos que ele nunca teve antes. Rafael ficou muito contente.
Feliz que estava, resolveu passear com a mãe, voltando das férias mais bonito e esperto, tais viagens se sucediam. Dona Edileusa volta um ano depois, agora para conversar com o casal que o havia criado por tanto tempo para saber mais sobre o menino e agradecer por tudo, pelo imenso e impagável favor que fizera a ela e a seu Antônio. Sendo assim, para reassumir a educação do Rafael.
A mãe deste rapaz agora tinha um grande problema. Ela começou a perceber o quão rebelde e difícil era seu filho. A partir do momento que foi viver com a mãe, Rafael começou a aprontar: Ele roubou dinheiro da sua mãe, comprou muitas coisas inúteis; a princípio ela não bateu nele, só reclamava com o menino, que agora já se sentia um rapaz. Dona Edileusa tinha um restaurante e um freezer vertical muito útil para seu estabelecimento, tipo aquelas que colocam bebidas em geral para gelar, com porta de vidro. Mas sua mãe teve uma infeliz surpresa: Encontrou a porta da geladeira quebrada, algo que ela tinha comprado com muito esforço. Na escola eram constantes as reclamações que professores e coordenadores faziam dele. Parece que ela fazia tudo isso por capricho, apenas para causar danos aos outros.
A senhora Edileusa já não aguentava as constantes brigas com Rafael e lhe disse:
- Meu filho, agora percebo que as surras que você levou daquele casal ainda foi pouco, e eu que os acusava de maltratar você!
Ao que ele respondeu:
- Você que foi errada em me deixar, também cansei de viver aqui...
Então ela pegou um cinto para bater nele, conseguiu no primeiro momento, mas o Rafael mostrou sua verdadeira face de crueldade e insensatez, retrucou a surra dela aplicando-lhe socos, derrubando-a no chão e com uma barra de chave de carro, daquelas usadas para trocar pneu, tentou tirar a vida da sua própria mãe; ela já quase sem forças gritou pedindo socorro, um vizinho escutou os gritos, pulou o muro que dividia as casas, desarmou o Rafael e deu-lhe um soco na barriga e no rosto. Neste momento de fúria, Rafael ameaçou de morte tanto a sua mãe quanto ao vizinho, nenhum desses dois conseguiu dormir direito naquela noite e o rapaz foi dormir fora de casa. Até porque a dona Edileusa expulsara seu filho de casa de uma vez por todas. O Rafael voltou para casa da família que o criara por longos anos como se nada tivesse acontecido.
Naquela mesma semana, seu Alonso recebe um recado para atender um telefonema, era da cidade onde a mãe biológica do Rafael morava e foi aí que ele soube de tudo o que tinha acontecido, dona Edileusa se mostrou muito magoada e chorosa com tudo aquilo que havia acontecido. O Alonso então escutou do Rafael a sua versão do ocorrido. Depois disso, ele voltou a morar com seu pai, mas não quis perder contato com aquela família.
A partir deste momento começaram a ocorrer fatos novos que evidenciavam seu comportamento problemático. Apenas podemos expor a seu favor, sua única e boa qualidade: gostava de trabalhar. E outra característica dele era que não levava desaforo para casa.
Vamos relatar mais uma das suas peripécias: Um certo dia, uma senhora faleceu e na data marcada para sua missa de sétimo dia, alguns parentes se deslocaram para outra cidade para prestar homenagem a ela, transportados em um pequeno caminhão (naquele povoado também a chamavam de gaisera) e neste veículo havia cerca de 20 pessoas. Rafael se escondeu na mata, à beira da pista e no momento em que o caminhão passou ele deu tiros nos pneus, o que fez o motorista perder o controle do veículo, virando- o no barranco próximo à pista. Por sorte não houve vítimas fatais, apenas um homem que machucou o braço e mais cinco pessoas que ficaram em estado de choque.
Então Rafael fugiu pelo cerrado, porém moradores daquela região, o reconheceram e logo todos ficaram sabendo que foi ele o autor dos tiros, os quais foram dados de uma espingarda bucheira. E ele não foi penalizado por isto. Dias depois com o objetivo de prejudicar motoristas que passavam por aquela rodovia, ele abriu uma cratera de um lado ao outro da pista, usando de ferramentas apropriadas; mas sozinho. Ele havia dito ao Alonso e Edileusa que pretendia mesmo era causar mais um acidente, eis o plano do jovem: Os caminhões que passassem por ali cairiam, matando o motorista e assim ele roubaria a carga. A família que o criara Rafael soube do plano dele, contou para seu Antonio; no entanto, além de ficar zangado com o Alonso acreditando que este só queria mesmo era afrontá-lo e falar mal do filho dele, vendeu sua fazenda e partiu para outra cidade. Quanto ao buraco feito pelo Rafael não foi suficiente para estragar todo o pedaço de um lado ao outro e todos os veículos que por ali passavam faziam um desvio à margem da rodovia para que nada acontecesse. Por fim, o DERBA (Departamento de Estradas de Rodagem da Bahia) tratou de recuperar a pista e mais uma vez ele ficou impune.
Nas ocasiões que Rafael retornava à casa da família de Alonso, trazia na sua mente um senso de respeito e carinho por eles, que apesar de tudo, nutriam por Rafael um sentimento de carinho e consideração como se ainda fosse membro da família. Infelizmente ele conservou sua personalidade e comportamento anormais. Deixou esta família, “pegou sua cruz” e seguiu o seu caminho...
Quando ele chegara à idade de 24 anos, se envolveu com Leticia Moreira, filha de um fazendeiro. O pai dela queria ver o cão, mas não queria ver o Rafael! E desse complicado relacionamento, nasceu um filho, estava estabelecido um clima pesado, um clima de guerra com o fazendeiro. Rafael somente via a filha quando o fazendeiro viajava, o temido senhor Redivaldo! Só neste momento é que mulher e sogra dele permitiam que ele visse seu filho.
Leticia solicitou a um primo seu que entregasse uma carta para Rafael dizendo que estava disposta a fugir com ele, marcando uma data e local e hora para o escape. Rafael arriou seu cavalo e pôs uma arma calibre 38 na cintura e foi ao encontro da amada, na fazenda do seu pai, ainda pela manhã. Chegando lá, Rafael foi muito mal recebido pelo sogro, os dois iniciaram uma conversa e discussões que se estenderam até às sete horas da noite. Como as discussões estava cada vez mais acaloradas, aconteceu o pior! O sogro deu uma gravata nele por trás e a sogra pegou um tamborete e acertou a cabeça do Rafael. E num instante de autodefesa ou loucura, conseguiu se livrar do sogro e deu um tiro para trás acertando o peito do sogro e outro tiro acertou o rosto da sogra, meio que de raspão, mas o suficiente para provocar nela um traumatismo craniano, vindo a ficar em coma por trinta dias, mas felizmente escapou. Quanto ao sogro ficou cambaleando até um quarto morrendo ali mesmo.
Como todo assassino frio e inconsequente pegou seu cavalo e voltou para sua fazenda, deitando tranquilamente embrulhando-se de pé a cabeça e dormiu. Quando amanheceu os policiais acordaram Rafael e o levaram algemado à delegacia. Na viatura ele levou chutes e socos dos policiais. Estes juntamente com delegado se impressionaram com a frieza do rapaz.
Seu pai ficou muito abalado e imagina quem foi a primeira pessoa que apareceu para encontrar com ele? A sua mãe, a Dona Edileusa, a qual o abraçou e chorou bastante. Ao que disse para o rapaz:
- Meu filho, por que você aprontou mais uma vez? Apesar de tudo eu e seu pai te amamos e vamos arrumar um advogado para tirar você daqui.
E assim fizeram. Um ano se passou e houve o julgamento e para tristeza dos seis pais, Rafael pegou dezoito anos de prisão. O advogado deles, Dr Luiz, conseguiu reduzir a pena para 10 anos, uma diferença considerável de tempo.
Quando seu pai adoeceu; Rafael, que já cumprira seis anos de cadeia em regime fechado, obteve uma licença da justiça para visitar seu pai. A partir daí ele cumpriria a pena em regime semiaberto. Na volta procurou a família que o criara onde foi bem recebido com muitos abraços. Relatou para eles todo o sofrimento que passou na prisão, admitiu que se tivesse ouvido este casal no tempo que passou na casa deles, seria outra pessoa, um outro homem.
Nesta mesma semana foi visitar seu filho, Victor, agora com seis anos. Passadas algumas horas chegou sua sogra e Leticia, mulher com quem teve o relacionamento. Ambas o abraçaram e ele deu um beijo e um afetuoso no seu lindo filho. Tiveram então uma difícil e emocionante conversa. Rafael iniciou a conversa pedindo perdão às duas mulheres, dizendo que não queria ter cometido àquelas atrocidades e que tudo que queria era Leticia e seu filho.
Sua sogra, se é que podemos assim chamá-la, começou a chorar declarando que foram orgulhosos e arrogantes com ele no passado e que sabia que ele amava sua filha e neto e também que até o assassinato, ele sustentava Leticia.
- Rafael eu ainda te amo, quero seu amor, sabia que você estava sofrendo e eu também, eu o perdoo, volta pra mim – disse Leticia enquanto chorava pegando na mão do rapaz.
Ao que ele respondeu:
- Preciso cumprir tudo que devo á justiça, minha paga a pensão do meu filho. Tudo que quero é meu filho, quanto a você, não consigo tê-la como meu amor, te amei verdadeiramente, fui homem para te assumir, mas seu pai impediu nossa felicidade. Falta pouco para eu cumprir a pena, enquanto isso vai orando e pedindo a Deus o melhor para nossas vidas...
Despediu-se então emocionado e enfatizando de novo que eles estragaram a felicidade dele.
No outro dia ele viajou para Serra Dourada para cumprir o restante da pena no regime semiaberto, onde ele trabalhava durante o dia e à noite dormia na prisão.
O destino pregou-lhe uma peça, ou talvez foi uma consequência do seu modo vida? Três anos depois ele conseguiu sua liberdade e voltou a estudar, terminando o Ensino Médio. Dois meses depois ele foi morar na capital do Estado, Salvador, onde vive até hoje e se relacionou com uma mulher. Lá trabalha normalmente em uma empresa multinacional.
A felicidade é algo que ele ainda persegue, mas tem a compreensão de que só em Deus, com juízo e esforço obterá uma vida plena e feliz com sua nova esposa.
Ciente também ficou de que ter um grande caráter é o melhor caminho!
(Baseado em fatos reais)