A cura

Dava pra sentir o olhar ansioso e ao mesmo tempo entediado do Dr. Rubens me encarando embora eu estivesse com os meus fechados. Eu tentava me lembrar de algo que pudesse ser útil na terapia. Eu forçava a cabeça, mas não vinha nada. Já era a minha quarta visita ao renomado psicanalista, porém, nenhuma evolução. Era como se fosse impossível debulhar minha alma com a frieza necessária para se obter resultados.

Naquela tarde tudo seguia como nas outras consultas. Um silêncio doloroso ornamentava o abismo entre eu e Dr. Rubens. Assim permaneceu por um longo tempo que pareceu ter sido um dia inteiro, até que, de súbito me levantei e encarei o Doutor e a situação:

_O problema não é comigo doutor. São as pessoas. Gente mesquinha me da ânsia de vômito, sinto calafrios perto de mentirosos, arrogantes me causam tremedeira, gente burra faz meus pêlos ouriçarem.

_Com que freqüência você encontra esses tipo de pessoas?

_Todo momento. Agora, por exemplo. O seu ar de pseudo-intelectual me faz sentir vontade de te espancar com um taco de beisebol. Todo mundo tem um defeito que me incomoda. Todo mundo!

_Me fale sobre sua rotina.

_Chego em casa do trabalho e assisto TV até a hora de dormir. Fim de semana em casa, novamente vendo TV, só saio se for necessário. Evito contato com pessoas. Elas me irritam.

O doutor se calou por um breve momento, me observando.

_Você faz uso de álcool?

_Já não posso com conhaque nem uísque nem vodka. Me dão amnésia. Bebo uma cervejinha quando tenho animação pra buscar no supermercado.

_Compreendo. Já pensou em se matar?

_Está louco doutor? O mundo é uma merda realmente, mas eu não tenho culpa de nada. Já te disse; o problema não está em mim.

Doutor Rubens concentrou-se no seu bloco de anotações. Fez alguns rabiscos e depois de um tempo me entregou os escritos dentro de um envelope. Me pediu que abrisse quando chegasse em casa. Apertou friamente minha mão e me acompanhou até a porta. Um leve aceno de cabeça e mais nada.

Chegando em casa, ansioso e com raiva do psicanalista estranho, abri o envelope e no papel de receita assim estava escrito:

“O senhor sofre de um narcisismo leve, e de egocentrismo agudo. O tratamento é simples; faça uma visita a alguma instituição de caridade, de preferência esses abrigos que cuidam de idosos. Repare bem naquelas pessoas que se doam a quem precisa de cuidados. Pessoas que tratam a vida alheia como se fossem as suas. Quando puder, visite um museu de artes, e aprecie a beleza da capacidade do gênio humano. Ouça Mozart, Tom Jobim, Elvis e aprecie a linda voz de Elis. Leia Fernando Pessoa e Carlos Drummond Andrade. Por fim, se olhe no espelho todas as noites durante vinte minutos e reflita sobre tudo que você não é e tudo que você nunca fez de bom. Em pouco tempo você perceberá que é um grande bosta. Talvez pior do que todos os que tanto te irritam. Pessoas comuns erram, irritam os outros, são mesquinhas e tudo mais, mas ainda sobra espaço no coração para que façam algo de útil, sabe por quê? Porque pessoas comuns vivem e se adaptam às imperfeições de outras. Quando entender isso, estará curado”.

Paulinho Souza
Enviado por Paulinho Souza em 03/04/2015
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