739-O PROTETOR DOS ANIMAIS - Da rinha para a panela

— Zé, num e sisquece de trazê um saco de ração da venda du Girimum.

— Pó dexá, Fonsina, passo lá dispois de intregá os frango pru Jorge du coque dor.

E lá se foi Zé dos Frangos, a charrete carregada com uma caixa de isopor, dentro da qual estava uma dezena de frangos e galinhas, já abatidos e limpos, para entregar ao Seu Jorge Abud, proprietário do Restaurante Le Coq D’Or, como fazia todas as quintas-feiras.

Vivia disso: de criar e engordar frangos e galinhas na sua pequena chácara, nos arredores de Venda Velha. Seus frangos eram criados com cuidado, soltos numa grande área, com lugar para se exercitarem. Além do capim dos diversos piquetes, eram alimentados com milho e ração. Tudo para que seus frangos “caipiras” alcançassem bom preço nos restaurantes da metrópole. Levava os bichos abatidos e atualmente fornecia com exclusividade o estabelecimento do turco.

Estava justamente descarregando a mercadoria, ajudado pelo Miguelito, ajudante do cozinheiro, quando soube do que estava acontecendo naquele momento na cidade:

— Tá sabendo? — Era o próprio Miguelito quem dava a notícia fresca. — O delegado descobriu a rinha do Chico Perrela, tá a maior confusão lá.

— Uai, mais todo mundo sabia das briga de galo no fundo da casa do Chico.

— É, mais agora teve uma denuncia. O delegado teve que tomar conhecimento.

— Num gosto de briga de galo. É uma judiação. Os bicho briga e sangra até morrê.

— Uai, mas então como é que você cria frangos para vender? Eles vão morrer do mesmo jeito.

—Ar, Miguelito, é coisa diferente. Anda, vamo discarregá logo, que vou lá dá uma oiada. Quem sabe compro uns galinho. Por preço camarada, ponho eles prá ingordá e...

Quando Zeca dos Frangos chegou defronte à casa do Chico Perrela, estava uma grande confusão. O carro do delegado e o jipe dos policiais estavam estacionados, entre um grupo de pessoas que incluía o próprio dono da rinha, mais diversos curiosos (alguns eram donos dos galos apreendidos, mas não se denunciavam) e uma chusma de crianças.

Zeca parou a charrete ao lado dos carros; Descendo, foi entrando no meio do povo e logo foi identificado por um dos policiais:

— Aí, Zé, veio ver se tem algum bicho seu aqui?

— Ara, Seu Teodósio, o sinhor sabe qui eu até qui tenho raiva dessas coisas de briga de galo. É uma judiação.

O Delegado já havia feito a apreensão dos bichos, e prendido Chico Perrela. Mesmo algemado, o dono da rinha não abaixava a crista.

— O senhor não vai matar meus galos, né, doutor?

— Cala a boca, seu! — Disse um guarda.

— Olha, prá falar a verdade, é o que você merecia. Mas não posso, preciso manter eles presos, vão servir de prova no processo. Mas aqui na rinha é que não podem ficar.

Ao ouvir as palavras do delegado, Zé dos Frangos criou coragem e disse:

— Uai, dotor, se o senhor quiser, tenho uma chacrinha aqui perto, posso cuidar dos bichinhos pro sinhor.

Zé dos Frangos era conhecido na cidade, e o delegado ouviu o oferecimento como solução para manter os galos sob guarda e cuidados.

O delegado chamou o sargento da tropa policial para confabularem.

— O homem é confiável?

— Até onde sei, é honesto, e vive de criar frangos. Pelo menos experiência ele tem.

Voltando, o delegado disse ao Zé dos Frangos:

— Está bem, Seu Zé dos Frangos. O senhor fica responsável pelos galos da rinha. Olha lá, são trinta e dois animais. Quero que cuide bem, pois são elementos do processo.

Animado, Zé dos Frangos pediu ajuda aos soldados. Tiraram os galos das gaiolas, amarraram-nos pelos pés e os colocaram na charrete.

E lá se foi Zé dos frangos com o carregamento legal.

Ao chegar em casa, foi saltando da charrete, olhando para os galos e rindo de satisfação. Gritou para a mulher:

— Fonsina! Corre aqui. Vem ver o carregamento de frango que incontrei na cidade.

— Viche Maria, Zé! Onde foi qui tu comprou esses galo veio?

— Qui comprei, qui nada, muié. Eles tava na rinha do Chico Perrela. O Delegado mandou eu tomá conta deles. Mais oia só: é apenas argumas semanas de trato, e eles já vão ficá pronto pra nois vender por Jorge do coque dór.

ANTONIO GOBBO –

Belo Horizonte, 1 de agosto de 2012

Conto # 739 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Ofereço aos leitores mais contos ainda não inseridos no Recanto das Letras, pelo

1.OOO HISTÓRIAS ON LINE CLUBE – e-mail: argobbo@yahoo.com.br

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 01/04/2015
Código do texto: T5191076
Classificação de conteúdo: seguro