SÓ UMA MENTIRINHA DE PRIMEIRO DE ABRIL
             ​(Dedico ao saudoso Vovô Joãozinho)

 
     Quando nos mudamos para a cidade meus avós ficaram na roça, porém toda semana vovô vinha nos visitar trazendo laranjas, ameixas, mangas e mais uma trenheira que  vó Geralda  enviava  para os netos.
     Na roça, o pilão de limpar arroz já estava aposentado. O trabalho era feito pela máquina beneficiadora da Cooperativa. Vovô amarrava dois sacos de arroz no lombo do cavalo e vinha a pé para não maltratar o animal.

     Vovô Joãozinho sempre foi bem humorado e  brincalhão. Seria tudo normal se num desses dias não fosse primeiro de abril. Ele já havia planejado a mentira que iria inventar para a neta e assim que me viu foi logo dizendo:
      —Minha fia do céu! Nem tenho corage de ti contá o aconticido.
      —Fala vovô! É trem ruim ô bão?
      —Cê vai fica tristinha.
     —O Neguvom morreu?
     —Não... O seu cachorro tá vivim, mais ocê vai ficá triste...
     —Fala vô!
     —É sua arvinha de istimação...
     —O sinhor dexô arguém cortá ela?
     —Pió qui isso... Naquela chuva de antonte caiu um truvão im riba dela e torrô a coitadinha.
     

         Me esqueci a data e já comecei a chorar... Então vovô ficou apurado e acabou contando a brincadeira do primeiro de abril para me acalmar.
     

     Na tarde do mesmo dia quis passar um susto nele também.Vi seu cavalo amarrado à porta da Cooperativa, debaixo do sol quente , com o saco de arroz nas costas e tive uma ideia:     
     —Vovô do céu! Aconteceu um trem ruim demais da conta!
     —Fala minha fia, tá mi assustano...Morreu arguém da famia?
     —Não, da famia não... Mais era quase.
 
     —Minha nossa, foi argum campadi meu?
     —Foi o cavalo do sinhor!  Tá lá, mortinho na porta da máquina de limpá arroiz. O povo tá in vorta dele dizeno qui foi o peso no lombo  e o solão quente qui matô o pobre.
     —Misericórdia! Tadim... Ieu isquici dele carregado cum aquele peso. Intirti na venda, prosiano cos meus cumpadi.
     —Tá um povão desceno a lenha no sinhor e cum dó do cavalinho difunto.
     Desatinado, vovô não sabia o que fazer, andava de um lado para outro e nem foi averiguar a veracidade do fato. Perguntou para minha mãe o que fazer:
    —Ô fia, cumé qui ieu faço cum cavalo morto? Cumé qui ieu tiro ele da rua? Cumé qui ieu levo o arroiz de vorta pa roça? 
     —Ah pai, acho qui premero o sinhor deve de i lá na prefeitura, arrumá a patrola pá rastá e o caminhão pa mode tirá o cavalo do mei da rua né? 
Quando vi aquele alvoroço, perdi o jeito de desmentir o primeiro de abril.             
     

     Lembro-me até hoje do vovô correndo à sede da prefeitura, a fim de falar com o encarregado das máquinas. A história já tinha tomado proporções enormes. O que era só brincadeira virou bola de neve.

     Não vi de perto, mas soube que quando o vovô e os funcionários da prefeitura chegaram com o caminhão, o cavalo estava lá tranquilo, pastando uns capinzinhos na rua que não era asfaltada ainda.

     Todo ano, quando chega esse dia me lembro desta história. Outra coisa que não esqueço é dos passos do vovô, chegando mais tarde de volta em casa me chamando num tom de voz muito sério:

     —Sá dona Maria...Cadê ocê?
 

 Dicionário mineirês: 

*Descer a lenha: O mesmo que falar mal.


*Caiu um truvão: Meu avô e muita gente daquela época não pronunciava  a palavra "raio", então se falava cair trovão ou faísca.
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 01/04/2015
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