O velho Banha
Lembro pouco da minha Nona. Minha querida vó Giuseppina, só soube o nome depois que cresci. E das poucas lembranças que tenho da Nona a principal é do seu velório. E a lembrança não é dela, da Nona, da Vó Giuseppina, e sim do velho Banha: uma mão sobre a testa, cabeça baixa e lágrimas escorrendo pelo rosto.
O velório acontecia na casa da Nona, uma casa amarela com sótão, era de madeira, cercada por um imenso gramado verde, e um pomar no fundo do quintal. Na cozinha o fogão a lenha estava esquentando água para o chimarrão e para o café da madrugada. O pão caseiro e as cucas de farofa já estavam assados, trabalho das tias.
Na pequena sala estava eu com minha mãe ao lado do caixão, o corpo da Nona jazia coberto de flores e nos castiçais, velas acesas. As mulheres com o terço na mão puxavam orações e cânticos melódicos, arrastados e tristes. E juntamente com o cheiro da vela me deixavam mais triste, e colaboravam junto com o horário da madrugada para que a sonolência invadisse meu corpo.
Enquanto me segurava nas pernas da minha mãe para não cair de sono. Na sala ao lado vi de relance a figura do velho Banha. Ele era o vizinho da Nona, um senhor bonachão, ele devia ter uns cinquenta anos ou mais. Ele sempre foi sorridente e simpático com todo mundo.
O senhor Banha estava sentado numa cadeira, com uma mão na testa que cobria seus olhos e a outra na barriga, pelo rosto lágrimas estavam escorrendo. Não pensei que as pessoas ficassem tão transtornadas pela morte de outras, ainda mais vizinhos e nem parente ele era. Mas quem era eu para analisar os sentimentos das pessoas naquela época, e hoje muito menos. De longe eu percebia que ele soluçava e sua barriga, que era bem grande, e era a origem do seu apelido, balançava para todos os lados.
Fiquei olhando aquela imagem daquele grande senhor Banha, chorando copiosamente pela morte de minha Nona, e sua barriga balançando. Fiquei comovida e feliz em saber que minha era querida pelas pessoas.
A imagem do senhor Banha balançando a barriga era cômica, e me fez começar a sorrir. Minha mãe me olhou com cara feia e me mandou ir com o meu pai.
Quando entrei na sala onde estavam todos os homens reunidos, me deparo com todos eles rindo. O senhor Banha não estava chorando de tristeza pela morte de minha Nona, ele estava rindo. Enquanto as mulheres estavam rezando a maioria dos homens estavam na sala contando piada.
O senhor Banha ria tanto, ele não se aguentava, sua risada era sem barulho para não incomodar as orações, mas não tinha como ninguém ficar ali sem ficar contagiado pelas risadas e pelo jeito daquele senhor, aquela figura grande que transbordava da cadeira, e que balançava a barriga, seus olhos lacrimejavam de tanto dar risada. Meus tios, primos, parentes distantes e os vizinhos todos se esbaldando de tanto dar risada.
Naquele tempo os velórios, ou o guardamento, eram motivos de encontro entre parentes distantes e vizinhos, que aproveitavam o momento para contar piadas, e a gurizada também adorava e se divertia a beça vendo os mais velhos contar causos e piadas.
Daqui a pouco outra piada foi contada e mais outra. As piadas e causos paravam quando começavam a incomodar as rezas, e algumas mulheres chegava e chamava todo mundo para rezar.