Preso em Bauru

Peguei o telefone:

- Pronto para ser preso? - Meu amigo me perguntou.

- Estou pronto. - Respondi por impulso.

Minutos depois ele chegou de carro, tocou meu interfone e eu saí. Naquela tarde eu o acompanharia em uma entrevista. Durante a chuva de perguntas eu deveria fotografar a entrevistada, a advogada Vânia Fonseca.

- A gente vai numa cadeia? Perguntei com o carro já na rodovia.

- Você não sabia, pensou que era o que? É Instituto Penal Agrícola.

15 minutos de carro e já dava para ver uma torre com as iniciais do lugar, I.P.A.. Perguntamos na guarita por Vânia e nos indicaram uma outra guarita. Eram as portas da prisão, só que entramos de carro. Passamos pelo pátio, onde ficavam os telefones públicos e as filas que se formavam de gente querendo usá-los, passamos por também por uma quadra de futebol, um gramado e pronto, chegamos. Era em um prédio velho em que aconteciam as aulas de teatro do grupo 'Enquanto ela não vem', organizado voluntariamente pela advogada.

Os internos muito educadamente fizeram questão de nos cumprimentar. Eles pareciam bem disciplinados, muito mais do que qualquer um em liberdade deveria ser, mas talvez o ideal para se manter em situação razoável naquela cadeia. Um deles saiu para buscar café, os outros se sentaram em dois bancos cumpridos que ficavam na frente da mesa da advogada. Ofereceram duas cadeiras para que eu e meu colega pudéssemos nos sentar também. Trocamos umas palavras preliminares. Um dos rapazes tomou a liderança para explicar a situação do grupo no tempo que a advogada se ausentava para uma ida rápida ao banheiro.

O gravador foi ligado e as perguntas começaram. As respostas eram longas, dava para perceber a necessidade que havia em se falar sobre aquele grupo. Comecei a tirar fotos. Quando mirei nos homens eles se entusiasmaram para ter seus retratos. A maioria deles tentava se manter natural, mas um que não havia sido alvo da câmera se aprontou ao lado de mais três para uma fotografia. Antes de apertar o botão da maquina eu já imaginava que aquela foto não daria para nada. Estava artificial e sem propósito para mim, mas para o homem parecei ser algo importante. Bati três vezes. Com, sem e novamente com flash. Tirei mais algumas fotos da sala decorada com partes dos cenários que eles usavam nas peças nas quais atuavam.

Sentei-me, o rapaz sentou ao meu lado se aproximou e pediu para ver as fotos. Ele era justamente o que tinha o rosto mais delicado, era possível que soubesse disso. Mostrei todas a ele. "Droga, não saí em nenhuma", ele disse. Retruquei, "Como não, olha aqui"; mas ele percebeu que eu havia tirado muito mais fotos dos homens que falavam, então ele resolveu falar também. Infelizmente era tarde de mais. A entrevista já estava para terminar.

No final da nossa visita, o grupo se reuniu todo para uma sessão de fotos. Na despedida um dos homens perguntou: "Vocês devem estar louquinhos para ir embora, não?". Eu ou o Bruno, acho que foi ele quem respondeu, "Não, por que?". A explicação do homem, "Todo mundo que vem aqui fica doido para ir embora".

Fomos embora, estávamos atrasados. A entrevista rendera uma fita e meia. Ao sair pelo primeiro portão o porta-malas do carro precisou ser rapidamente revistado. Saímos no I.P.A. conversando sobre o lugar, nos distraímos e ficamos perdidos. Meu colega encostou o carro próximo a uma guarita. Com a cabeça para fora da janela perguntei ao vigia:

- Como eu faço para chegar em Bauru?

- Aqui é Bauru! - Pareceu Óbvio para ele.

ENTREVISTA COM VÂNIA FONSECA

http://www.faac.unesp.br/extensao/livrevista/ed19/vania.html