A Esperança
A seu lado o homem, cansado, roncava. Encolhida no seu canto da cama, Odília, de olhos abertos, preenchia a insónia revendo o que, nos últimos anos, lhe acontecera. Casou cedo, no tempo em que era Lili para os pais permissivos que lhe faziam todas as vontades. Nem os estudos secundários terminou. Na verdade nenhum tempo sobrou para isso. A vida era frenética, as descobertas exigiam-lhe que saísse de um para outro namoro, de uma experiência para um desafio e deste para o meio da teia em que, afinal, foi apanhada. Casou grávida de gémeos e, ainda que desencantada e infeliz, teve mais uma criança doente. Aquele que lhe pareceu ser o príncipe encantado era só um sapo que, por não estar encantado, ficaria sapo muito tempo. Sabia trabalhar e ganhar dinheiro, não sabia nem queria aprender a amar porque, dizia, não tinha temperamento. O conto de fadas acabou na função de mãe, esposa, dona de casa. Não tinha tempo, também ela, para sequer perceber quão fundo era o buraco em que, voluntariamente, se metera. Aprendeu tudo o que não lhe ensinaram e intuiu o resto. A maternidade oferece às mães o jeito completo e, às esposas submissas, uma conformada raiva interior. Poderia abandonar tudo e levar os filhos com ela mas, perdidos os pais, sem curso nem emprego, a liberdade seria um insuportável pesadelo. As prisões nem sempre têm grades. Ela, incautamente, escolheu o seu destino para os dez anos seguintes. A esperança era o crescimento das crianças. A esperança era continuar os estudos ou aprender uma profissão. A esperança era conseguir que ele a amasse. A esperança…