729-FALTA DE BUROCRACIA-Esquecendo o passaporte

— Por favor, os passaportes. — Pediu a atendente da Ame-Airlines, quando Lucy e Tony se apresentaram para as providências de embarque no voo que os levaria pela enésima vez aos Estados Unidos.

Lucy imediatamente estendeu o passaporte, livrinho de capa verde, bastante manuseado pelas inúmeras viagens que fizera ao exterior. Já Tony levou a mão ao bolso do paletó e retirou o passaporte italiano, de capa vermelha.

—Esse não. — Disse Lucy. — Aqui tem de apresentar o passaporte brasileiro.

Tony deu uma busca nos outros bolsos, empalidecendo-se à medida que não encontrava o documento indispensável ao embarque. Estava pálido e absolutamente angustiado quando disse:

— Esqueci o passaporte brasileiro.

Ambos viajavam com dois passaportes, o brasileiro e o italiano, pois tinham cidadania italiana. Evitava uma série de providências desgastantes, entre elas o “visto” para entrada nos Estados Unidos. Apresentavam os passaportes brasileiros para saírem do Brasil e os italianos para entrarem nos Estados Unidos.

— Essa não! — Exclamou a esposa.

Desconsolado e envergonhado, Tony explicou à atendente o esquecimento. Já pensava em tomar um taxi no aeroporto e voltar à casa. Um percurso de 50 quilômetros, que, tendo sorte, faria a tempo.

Estava completamente desnorteado, pois havia organizado a viagem nos mínimos detalhes, tendo feito inclusive uma check-list de todos os itens necessários ou a serem providenciados.

A atendente, talvez já acostumada com este tipo de coisa, chamou Tony e lhe aconselhou:

— Antes de tudo, o senhor deve ir até a Policia Federal e vê se consegue um documento para viajar.

— Policia Federal? Mas onde fica a Polícia Federal? — Tony não conseguia nem raciocinar direito.

— O senhor sobe ao segundo pavimento, justamente acima de onde estamos (e apontou o dedo para cima). Talvez resolva a situação.

Será que vou conseguir? — pensou ele. — Inda mais na Policia Federal. A burocracia é grande...

Envergonhado e nervoso, subiu com a esposa para o segundo pavimento, onde encontrou, com facilidade, o escritório da Polícia Federal.

Chegou, cumprimentou os três policiais que estavam no escritório e dirigindo-se com uma grande dose de humildade, explicou o lapso que cometera.

Eram os funcionários uma mulher e dois homens. Ou porque demonstrasse a angústia, ou devido aos seus cabelos brancos (podia ser pai de qualquer um dos três policiais), foi ouvido com atenção.

A moça conversou com os colegas. Ela disse que seria possível, mas eles achavam difícil.

Do outro lado do balcão, não conseguindo esconder a ansiedade, Tony olhava para um e para outro, atento ao diálogo. A moça então levantou-se com decisão e disse:

— Sim, vamos resolver pro senhor. — ela disse.

Obteve de Tony os números do CPF e da Carteira de Identidade, que digitou rapidamente. A um comando, a impressora começou a funcionar e dentro de alguns segundos, a moça entregou ao idoso uma folha em papel sépia, cópia de um documento chamado “Relatório de Requerente de Passaporte”.

— Pronto, aqui está. Com este documento o senhor pode viajar tranquilamente. Deverá apresent´-lo na volta, quando reingressar ao Brasil. Não o perca nem o esqueça em nenhum lugar. — Enfeitou sua fala com um sorriso quando disse “esqueça”.

Tony recebeu o documento. Olhou espantado: uma cópia de seus dados como constam no passaporte, com a fotografia (muito mal reproduzida), sem nenhuma autenticação, assinatura ou carimbo. Uma folha comum. Não se atreveu a perguntar nada, nem sequer manifestar sua estranheza com a simplicidade do documento e do processo. Só teve palavras para agradecer, mostrando o seu alivio com a solução encontrada.

O documento foi aceito tranquilamente no guichê da empresa aérea. Quando ambos se dirigiram ao portão de embarque, passando pela fiscalização da bagagem de mão, um que estava anteriormente na sala da polícia federal, postou-se ao lado do guichê, para explicar à jovem que acolhia os passageiros, que aquele documento substituía o passaporte.

Tudo muito tranquilo e cordial. Tony agradeceu mais uma vez o agente policial pela atenção.

Na volta da viagem, a apresentação do documento foi aceita tranquilamente pelo funcionário do serviço de imigração e devolvido ao preocupado Tony.

Em casa, ele não se cansou de contar a “peripécia” aos familiares, acentuando:

— Nunca vi tanta agilidade por parte de funcionário público. Vejam o documento, é simples e carece de qualquer autenticação.

E finalizava:

— É muita falta de burocracia!

ANTONIO GOBBO –

Belo Horizonte, 20 de junho de 2012

Conto # 729 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/03/2015
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