Onde Está a Força
O corpo franzino de Carlos era o seu ponto fraco e a sua vergonha. Se as mulheres o apreciavam era pelo seu rosto bonitinho de galã de cinema, de pele branca e macia, feito menina. No campus da faculdade rodeava-se delas. Era admirado menos pela masculinidade do que pela fala mansa e educada de cavalheiro que encantava a todas. Havia outros rapazes bonitos, até; mas não como Carlos. Perdiam para ele na forma especial de tratar o sexo oposto. Havia nele algo que as atraía a sua presença, ao seu contato.
Por tudo isto era invejado. Carlos para representante de turmas; Carlos para organizador de eventos teatrais e Carlos para a escolha dos temas a serem apresentados em grupos. O ano escolar que iniciara em paz, apresentando perspectivas de um ótimo aprendizado começou a se transformar já a partir de março por causa do tratamento para com Carlos vindo dos outros rapazes revoltados com o desprezo das garotas para cima deles.
Feridos no amor próprio, não aceitaram perder para um magricela. Todas aquelas meninas tinham o incontrolável desejo de ser a namorada escolhida por Carlos; mas ele não as queria. Não é que não houvesse entre elas excelentes candidatas, dignas do amor dele. Certamente que sim e muitas, até. Entretanto, usando de inteligência, Carlos preferiu manter com todas nada além de um relacionamento de amizade. Isto suscitou, em todos, uma quase certeza de que não apreciava mulheres.
Ter sido encarado como homossexual o entristeceu, pois sabia que isto ele não era. Mas até que provasse o contrario a desconfiança generalizou-se. Escorraçavam-no por isso, era o maricas do colégio. Encontrou, porém, uma maneira de mostrar como estavam errados.
Fabiana, em seu canto, observadora e testemunha da discriminação cruel e injusta, prestou-se a ajudá-lo.
Nesses últimos dias notava-se em Carlos uma reserva incomum; estava sofrendo. Fabiana observava-o. Procurava momentos especiais onde sabia que o assédio não era lugar comum. No universo do campus a cantina, a quadra de esportes fervilhavam de interesses. Aproveitava brechas em que ele, pedindo uma desculpa se afastava do grupo para os seus momentos de solidão. Ela encostava, sempre naturalmente, sem paparicos. Ele se acostumou a essas interrupções e com o jeito meigo de Fabiana. Era diferente das outras e a simpatia, recíproca, foi-se intensificando, à medida que os encontros aconteciam.
- Por que aceita calado o que dizem de você? Precisa reagir. Quanto a mim, não acho que seja homossexual – disse-lhe um dia Fabiana enquanto sentavam-se a uma mesa de lanchonete, afastada da universidade; um convite que Carlos decidiu aceitar para que conversassem mais à vontade.
- Como pode ter certeza? – ele revidou a inusitada colocação.
- Não sei ao certo, mas pode chamar de intuição. Além do mais percebo, pelo seu jeito de tratar as meninas, que gosta delas. É diferente de um gay que só fala bobagens e quer sempre chamar a atenção para si.
Carlos sentia que aquela não era igual às demais; já notara desde o princípio esta peculiaridade em Fabiana. Os encontros foram se sucedendo, muito mais frequentes e longe do campus do que entre seus prédios cheios de olhos. A consequência não poderia ter sido outra: tornaram-se namorados. Fabiana não falhara em seu sexto sentido; descobriu o verdadeiro homem por trás de toda aquela impressão de fragilidade. Conheceu-o na intimidade. Amou-o intensamente e viu-se apaixonada. Não eram da mesma turma. Corroía-a o fato de sabê-lo envolto pela atenção das outras garotas, mas não sentia ciúmes. A confiança no amor que o sabia sentir por ela superava qualquer insegurança. Uma vez indagou:
- Por que não podem saber que namoramos? Será melhor para nós. - E assim fizeram. Carlos provou, com este gesto, gostar realmente de Fabiana.
Não dissimulavam; estravam e saíam de mãos dadas das dependências da universidade. Se cessaram as impertinências, a inveja não descansou. Fabiana tinha também os seus admiradores e um deles procurou, e arrumou, encrenca com o casal. Sabia que um assopro derrubaria Carlos se este reagisse as suas provocações. E foi o que aconteceu. Para não dar o que falar e honrar a dama a quem devia proteção aceitou o desafio da briga e, evidente, apanhou. E esmagado seria se não houvesse apartação. Ferido e humilhado escutou Fabiana.
- Não consegui suportar o que assisti. Desculpe se fui o pivô dessa violência, mas você não pode permitir que algo dessa natureza torne a acontecer. E o amo e jamais vou querer ver isso novamente.
- Desculpe! Nada pude fazer, ele é muito mais forte do que eu; olhe para mim!
- É sobre isso mesmo que quero discutir; já ouviu falar em cultura física?
- Então quer que eu me torne o seu Sansão? – disse Carlos forçando um sorriso quase impossível dada às feridas que tinha ao longo dos lábios.
- Não estou brincando! Você é jovem, pode muito bem desenvolver um corpo forte e atlético. Conte comigo, vou acompanhá-lo nisto.
O amor que sentia por Fabiana já era forte a esta altura. E tão forte quanto este amor ele se tornaria se disto dependesse a felicidade de ambos.
A decisão inabalável, a disciplina e a persistência em pouco tempo começaram a mostrar os seus resultados. Em questão de semanas já notava-se a definição e o desenvolvimento gradual no corpo de Carlos; Fabiana encantava-se com os resultados. As outras meninas, se já admiravam o suposto homossexual - e muitas, devido à desconfiança já haviam descartado qualquer chance de um namoro - agora suspiravam a sua passagem e disputavam a sua presença.
O tempo corria e Carlos cultivava um corpo monumental. Passou a ser respeitado; fez amizade com os rapazes que antes o antipatizavam. Atendeu às solicitações deles para treiná-los na cultura física. Abriu, mais tarde, sua própria academia e teve, como principal sócia e auxiliar Fabiana, sua agora adorada esposa. Soube tirar, de uma desvantagem, força para se desenvolver e prosperar. Deve tudo a uma grande mulher. Que viu nele um incrível potencial. E não apenas um garoto de cara bonita.