Alice No País Das Mães e Filhas - Abandonadas - reeditado
Desde a sua mais tenra idade Alice vivera envolta na cruel dúvida de quem escolher para verdadeiramente, tomar, por sua vida as devidas responsabilidades de pai e de mãe. A história real do país está repleta de exemplos de menores que se perderam nos descaminhos do abandono e da rejeição pelo fato de não terem tido a criação que toda criança necessita para se desenvolver satisfatoriamente. Se for feita com seriedade uma pesquisa a cerca das razões que levam o jovem a perverter-se, chegar-se-á a real e triste comprovação de que foram vítimas da falta de educação dentro de casa; quando não do abuso sexual do padrasto, do espancamento brutal e do mau exemplo do álcool e das drogas.
São essas formas de dissipação moral que acabam conduzindo a uma vida de desgraças e, como produto, filhos perdidos. Alice já nasceu de pais Separados. O perverso espancava a mulher mesmo grávida e como se não bastasse, covardemente abandonou-a na mais extrema miséria por conta da sua falta de capacidade para o trabalho; ninguém queria aceitar um encachaçado como empregado.
A barriga pesando mais a cada dia, cheia de gravidez e vazia de alimentos forçou-a a, mesmo em tal estado, ganhar o próprio sustento; passou, lavou roupas, embelezou as unhas de pés e de mãos e assim teve Alice, perfeita e com saúde. O orgulho da mãe aumentou, pois a autoconfiança gerara um esforço maior para não deixar sofrer a menina e o amor fê-la vencer os obstáculos. Não quis saber de pensão; preferiu não conhecer da vida do pai irresponsável. Evitava falar dele com a menina que, enquanto nova, não ligou o bastante, mas a partir dos oito anos começaram as cobranças; a mãe ia mantendo o assunto distante, contornando as insatisfações de Alice e pintando o ex como um monstro e digno de misericórdia, mas também de desprezo.
Não sabia, entretanto que o pai desprezado tomara prumo na vida; largara os vícios, tinha emprego novo e família estruturada. Não procurou, contudo a filha; quem sabe com vergonha de sua conduta e medo de mexer com o passado.
Até os treze anos de Alice tudo ia bem, sem grandes embaraços de relacionamento. Até que a mãe apaixonou-se; e parece que para valer, desta vez. Não se sabe se por ciúme ou se por rebeldia ou outro sentimento indecifrável em adolescentes, a menina começou a mudar. Seu relacionamento com a mãe tornou-se insuportável. Quase não se falavam se não através de afrontas, injúrias e a desarmonia tomou conta desta família. O padrasto era indiferente para ela, mas a mãe o paparicava o tempo inteiro.
Alice não acreditava que ele amasse a mãe de verdade. Queria um recosto, estar ali por conveniência; pouco trabalhava, a maior parte do dinheiro era a outra que colocava e isto chocava ainda mais a menina. Como a incógnita quanto a seu pai verdadeiro continuava, Alice começou a usar de estratégias para conseguir seu objetivo.
- Ele anda se engraçando para o meu lado. Não queria te contar, mas já passa dos meus limites – disse ela um dia a mãe.
- Não acredito no que está me dizendo. Está fazendo isto para me prejudicar; por que adora me fazer sofrer? – foram as palavras da mãe em meio a um choro forte e compulsivo.
Não cabe aqui ao autor afirmar ou negar a veracidade do comportamento de Alice. Dentro da história está embutida esta incógnita, não por minha vontade, senão pela forma como me foi passado o episódio. As mulheres se abrem com outras mulheres, mas guardam entre elas segredos e, por mais que nos esforcemos, não alcançamos o seu pensamento nem as suas intenções verdadeiras.
Alice queria e conseguiu criar um clima de mistério entre a mãe e o padrasto. Em cima de tudo isto, levou para a televisão o assunto particular, fazendo todos acreditarem que o homem era um crápula, cuja intenção era aproveitar das duas mulheres. Como não houve provas, não havia crime e por isso passou em branco a punição. Entre se indispor com seu grande amor e desprezar a filha ingrata, a mãe optou por esta opção. Deu dicas quanto à localização do pai e Alice saiu a sua procura.
O pai já tinha família, mulher e filhos e era feliz; porque iria tocar em uma ferida e arriscar a ruina de sua vida agora totalmente equilibrada? No entanto, recebeu-a. Não em casa, mas em local distante para uma conversa franca.
- O senhor é meu pai, meu pai verdadeiro; por que me despreza? – disse Alice, sem conseguir conter o seu choro.
- Ouça. Não é desprezo; de forma alguma. Não Quer conhecer seus irmãozinhos? É um casal; lindos, como você e quase chegando à adolescência também.
-Não sei o que faço da minha vida.
- Fique com sua mãe.
- Não a suporto!
- Não diga uma coisa dessas. – E Alice destrinçou para o pai a mesma história de abuso sexual.
A situação mudou de figura para o homem. Ele falou de polícia, falou de assassinato. Quis de alguma forma, tomar partido de sua filha contra um ato insano como o que acabava de ser relatado.
- Deixa isso para lá. Não quero causar problemas; eu mesma resolvo sem ter que envolvê-lo.
- Sendo ainda você menor de idade, é fácil meter na cadeia esse bandido; deixe-me tomar providências.
Mas não era tanto isto que incomodava Alice e sim a sua felicidade. O pai de um lado e a mãe de outro; vivendo com dois estranhos. Segundo o pai, só em tocar no assunto de uma filha com outra mulher no passado é motivo de zanga e desavenças em casa. Contudo, prometeu que tentaria um jeito de introduzi-la aos poucos em sua família; promessa sem garantia de cumprimento.
E assim, aos dezesseis anos, tentou a independência, morando com uma amiga e esperando, dentro de sua própria mente, ou do destino, a decisão do que fazer, onde viver e com quem morar para ser feliz: com o pai ressabiado ou com a mãe fingidora de que é feliz com um homem que, segundo Alice, é um estuprador de menores.