699-A QUESTÃO DE PONTE NOVA- Bilhar,Futebol e Religião

Esta é uma daquelas histórias que ficam roendo a cabeça do escritor, lembranças de tempos de folganças e gozações, de descontração e falta de compromisso.

Ponte Nova era tudo isto: folgado, gozador, descontraído e sem compromisso com qualquer coisa que fosse.

Sim, Ponte Nova é apelido, claro, o nome era Luiz Carlos. Tinha tudo para ser um cara importante, doutor, advogado, o que quisesse. Filho de gerente de banco, não quis estudar, fez apenas o ginasial e ficou na pequena cidade, sem nada prá fazer senão jogar sinuca ou gozar os torcedores dos times adversários do Flamengo, para o qual torcia.

Não era religioso, ao contrário do pai, que chegava a ser carola. Não ia à missa e nos dias de procissão ficava à porta do salão de bilhar, assistindo a multidão passar carregando os santos ao som da banda de música.

Tornou-se o melhor jogador de sinuca da região. Tinha tempo, disposição, e nunca pagava para jogar, já que ganhava sempre. E o jogo de sinuca foi a causa de sua amizade com o padre Siqueira, pároco da cidade, torcedor do Fluminense.

O padre tinha o hábito de jogar sinuca às quartas-feiras à tarde, dia em que diminuíam suas obrigações paroquiais. E invariavelmente topava com Luiz Carlos, com o qual disputava algumas partidas, perdendo sempre.

Uma amizade bastante estranha nasceu entre os dois, por conta da rivalidade na sinuca e no futebol. Dava gosto assistir às partidas entre os dois, onde misturavam as chamadas da bola da vez com as discussões de futebol. Quando havia o clássico Fla-Flu os dois mais discutiam futebol do que jogavam a sinuca.

Ficaram tão amigos que Padre Siqueira colocou o apelido de Ponte Nova em Luiz Carlos. Ninguém nunca soube, na pequena cidade, o motivo de tal apelido, mas que pegou. Logo o rapaz já era mais conhecido por Ponte Nova do que por Luiz Carlos.

A amizade entre os dois extrapolou o salão de bilhar. Padre Siqueira pretendeu doutrinar Ponte Nova para que freqüentasse a igreja. A falta de compromisso para qualquer coisa foi mais forte do que os convites do padre. Mas até que resultou em alguma mudança no moço, que passou a ir à sacristia da igreja matriz, a fim de conversar sobre futebol e outras coisas, inclusive religião.

Ponte Nova gostava de ir à sacristia de manhã, quando Padre Siqueira aparamentava-se para a missa. Vestia-se com vagar: a túnica alvíssima, depois a casula, e por fim a estola. Luiz Carlos ajudava, puxando daqui, acertando a casula sobre os ombros, enquanto o sacristão acendia as velas e arrumava o missal sobre a mesa do altar.

Então, a conversa corria solta, sobre qualquer assunto.

Certa manhã, enquanto ajudava Padre Siqueira a se preparar, Ponte Nova começou a filosofar:

—Padre, o senhor já está de idade, não demora muito vai se encontrar com Deus, conforme prega todos os dias. Suponhamos que ao chegar lá do outro lado não exista absolutamente nada?

Surpreso e com pressa, dirigindo-se à porta que dava acesso ao altar, padre Siqueira se vira e responde:

— Olha, Ponte, é melhor que exista. Porque se não existir, tô n’água... e nem sei nadar!

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 7 de dezembro de 2011

Conto # 699 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/03/2015
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