Os Drogados
Os Drogados
Mascavam umas folhas e riam-se muito. Tombavam as cabeças numa insólita forma de estar alegres e, se fosse preciso, dormiam assim ao relento, encolhidos, sem nada a separá-los do chão, até que, já de madrugada, a fogueira se extinguisse. Por vezes bebiam, outras vezes fumavam o cigarro enrolado em qualquer papel sujo, de jornal ou outro, e tudo o que diziam tinha o condão da coerência ainda que fosse um perfeito disparate. Quando o sol ia já alto, um a um, desapareciam. Para roubar, diziam na aldeia, embora ao certo ninguém soubesse. O Pai de um deles, senhor de umas terras para a pastagem do gado onde em tempos recuados morou gente, pensou em levar o filho e os amigos que pudesse para lá. Electrificou a cerca, abasteceu com comida o casarão e, uma bela noite, carregou o grupo ainda atordoado para lá. Presos por algemas a um tubo por onde poderiam circular mas não fugir, os rapazes entraram em ressaca pouco depois de acordar. Gomides, o dono da casa, deixava, a horas certas, comida bastante para todos e, não suportando os gritos, os insultos e o choro, saia para o campo e só regressava quando, roucos de gritar, se acomodavam num sonho cheio de pesadelos. Foram difíceis os primeiros tempos, confessou, mas, aos poucos, os moços foram-se aquietando e já só pediam liberdade chorando e fazendo promessas. Gomides, bruto, ditava as regras de caçadeira em riste. Havia dias para banho obrigatório, escalas para limpezas no espaço, para ajudar nas tarefas ligadas ao gado quer se tratasse da ordenha ou do juntar do estrume. Os seis jovens, ligados por algemas a correntes e ao tubo, tinham uma autonomia limitada. Consideravam-se escravos. Eram escravos. Todos tinham de trabalhar para pagar a comida e as rebeldias eram tratadas a soco e bastonadas. Gomides mantinha-os, controlava-os, fazia-os trabalhar e, ao serão, poderiam conviver uns com os outros. Quando entendeu que estavam livres dos vícios maiores decidiu que era tempo de os libertar. Um a um os deixou escapar numa libertação que durou o dia todo para não ter de se confrontar com o mau génio de alguns. Dois dias depois, apareceu morto num valado. Tinha ainda a caçadeira carregada mas não chegou a ter tempo de disparar. A pedras choveram do alto e uma delas quebrara-lhe o pescoço. Dizem que o crime apagou o desejo de vingança dos rapazes que, sem provas, continuaram em liberdade. Há queixas da população mas eles juntam-se ainda, fumam, mascam folhas, cheiram pó e injectam-se. As fogueiras mudam de sítio mas o grupo não é o mesmo. Falta o filho de Gomides que, agora, gere os negócios do pai e morreram dois de overdose. Os outros talvez acabem antes do Natal, disse o padre num sermão. Se não podem ser decentes, que Deus os leve e o povo, em coro, disse: Ámen!