O Erro de Identidade
Bateu à porta e, mal Francelina a abriu, caiu-lhe nos braços a chorar. Oh minha irmã, minha irmã, soluçava agarrado ao seu pescoço. O que a guerra nos fez! Há muitos meses que me perdi dos poucos que tinha e que ando assim, aos tombos, de um para outro lado, sozinho. E as lágrimas corriam da sua face. Estás diferente. Pareces mais nova, disse, entrando para a sala. Oh France, o que te procurei por todo o lado, afinal és a única pessoa que me resta, exclamou um pouco mais sereno. Francelina ainda tentou desfazer o equívoco mas não teve oportunidade, tantas eram as palavras, os abraços e o choro. Ela não tinha irmãos, não tinha família. O que sobrara de tantos traumas da descolonização era uma pequena aposentadoria e aquela saúde de ferro. Dir-lhe-ia depois, decidiu. E convidou-o para o chá, viu-o comer os biscoitos de azeite com sofreguidão e recordar-se de tudo o que, na verdade, nem ela nem ele viveram. Os apertos da vida mais que a velhice trazem-nos memórias falsas, pensou. É como se, com o sofrimento, o cérebro baralhasse tudo das pessoas às terras, aos eventos às datas. Naquele homem acontecera pior porque parecia que ele tinha uma irmã com um nome igual ao seu e trazia como referência só a morada que alguém lhe indicara na farmácia.- Siga até ao fim da rua e, na padaria, vira à direita. A casa de D. Francelina é a vivenda amarela, isolada, informaram. Estava tudo certo menos as referências familiares que ele, sempre emocionado, ia dando. Quando a merenda acabou e se fez silêncio, Francelina pôde enfim libertar as mãos e dizer-lhe que não era a sua irmã. Choraram ambos. Ela ajudaria a procurar a verdadeira France, prometia. Ela dispensava-lhe o anexo do quintal para ele morar. Sim, ela ajudaria a normalizar o que pudesse e, se a verdadeira irmã já não existisse, ele poderia considera-la assim. Até que a France aparecesse cuidaria dele a Lina, confirmou.