Um conto ordinário
Belvedere
Num consultório médico, bairro de periferia, um grupo aguardava chamada . Espremidos em uma sala, com um ventilador que mal funcionava e um bebedouro de água duvidosa, a espera era angustiante.
- Virgem Maria! Um menino, lá na rua onde moro, tá internado com meningite. Coitadinho, vivia apanhando da mãe. Apanhava tanto que tinha o corpo todo roxinho . Outro dia chegou a botar sangue pelo nariz. Ontem, a mãe pediu perdão a ele na hora da visita, e a irmãzinha mais nova, chorando, dizia que ele ia morrer, e que a mãe nem precisava pedir perdão, pois ele não ia ouvir.
Os clientes que estavam aguardando ouviam interessados . Sentindo que tinha plateia , Lia continuou relatando as tragédias :
- O irmão dessa mãe desgraçada disse que era até melhor o menino morrer do que viver aquela vida de cachorro.
Uma cliente perguntou a idade do tal irmão, e Lia respondeu:
- Vinte e oito .
- E por que vocês não foram à polícia dar parte? São culpados também, sabia?
Lia balançou os ombros e disse: - Estou é preocupada com meus filhos. Será que ainda podem pegar meningite? A gente queria vacinação, mas os médicos disseram que não precisava. Ontem, quando eu vinha do trabalho, a mãe do garoto estava numa turma na esquina e ria muito. O filho em coma,e a filha da puta rindo.
E Lia continuou a narrar desgraças. Falava em mortes, sequestros , assaltos e logo emendava com prostituição infantil, droga, traição conjugal.
-Mas você não tem nada de bom pra contar? - perguntou um cliente .
Sem responder, Lia levantou-se, passando a andar de um lado a outro no exíguo espaço.
Tinha um curtíssimo vestido de cor fúcsia colado ao corpo, os cabelos espigados e em vários tons. Usava um perfume barato, que impregnava a atmosfera. O aspecto impressionava pela escancarada vulgaridade
- Acho que tô com estresse. Só pode! Muita dor de cabeça, pés inchados, não durmo direito.
Belvedere
Num consultório médico, bairro de periferia, um grupo aguardava chamada . Espremidos em uma sala, com um ventilador que mal funcionava e um bebedouro de água duvidosa, a espera era angustiante.
- Virgem Maria! Um menino, lá na rua onde moro, tá internado com meningite. Coitadinho, vivia apanhando da mãe. Apanhava tanto que tinha o corpo todo roxinho . Outro dia chegou a botar sangue pelo nariz. Ontem, a mãe pediu perdão a ele na hora da visita, e a irmãzinha mais nova, chorando, dizia que ele ia morrer, e que a mãe nem precisava pedir perdão, pois ele não ia ouvir.
Os clientes que estavam aguardando ouviam interessados . Sentindo que tinha plateia , Lia continuou relatando as tragédias :
- O irmão dessa mãe desgraçada disse que era até melhor o menino morrer do que viver aquela vida de cachorro.
Uma cliente perguntou a idade do tal irmão, e Lia respondeu:
- Vinte e oito .
- E por que vocês não foram à polícia dar parte? São culpados também, sabia?
Lia balançou os ombros e disse: - Estou é preocupada com meus filhos. Será que ainda podem pegar meningite? A gente queria vacinação, mas os médicos disseram que não precisava. Ontem, quando eu vinha do trabalho, a mãe do garoto estava numa turma na esquina e ria muito. O filho em coma,e a filha da puta rindo.
E Lia continuou a narrar desgraças. Falava em mortes, sequestros , assaltos e logo emendava com prostituição infantil, droga, traição conjugal.
-Mas você não tem nada de bom pra contar? - perguntou um cliente .
Sem responder, Lia levantou-se, passando a andar de um lado a outro no exíguo espaço.
Tinha um curtíssimo vestido de cor fúcsia colado ao corpo, os cabelos espigados e em vários tons. Usava um perfume barato, que impregnava a atmosfera. O aspecto impressionava pela escancarada vulgaridade
- Acho que tô com estresse. Só pode! Muita dor de cabeça, pés inchados, não durmo direito.
Sai da consulta um homem de aspecto carrancudo. Lia então é chamada.
Encaminhando–se para a porta, ajeita o vestido, que subia à medida que andava, e diz:
- Ainda bem que a patroa paga um plano de saúde pra mim. Pode não ser grande coisa, é um plano baratinho, mas ao menos não preciso ir pras filas de madrugada. Nem posso me imaginar mendigando atendimento em hospital, como vejo esse povo pobre na televisão. Tudo chorando, gritando, morrendo nas filas... Tenho saco não!
Encaminhando–se para a porta, ajeita o vestido, que subia à medida que andava, e diz:
- Ainda bem que a patroa paga um plano de saúde pra mim. Pode não ser grande coisa, é um plano baratinho, mas ao menos não preciso ir pras filas de madrugada. Nem posso me imaginar mendigando atendimento em hospital, como vejo esse povo pobre na televisão. Tudo chorando, gritando, morrendo nas filas... Tenho saco não!