A luz do teu sorriso
Mariangela nasceu num dia lindo!
O sol escaldante penetrava no quarto da maternidade, ofuscando as vistas de todos que chegavam radiantes para visitá-la.
Mamãe Ângela fazia mil planos e, papai Mário babava e como...
Só eu não gostei de Mariangela!
Que garota chata! Só sabia chorar, chorar, chorar...
Mas, o que fazer? Nada calava a boca daquela magricela. Nem quando mamava... e a minha mãe era toda satisfação... e papai, ah, parecia um bobo e só sabia falar "Olha o papai aqui... não chora minha lindinha..., ai, ai, que raiva daquela garota careca, feia, toda enrrugada, mexendo aquelas perninhas de saracura sem parar. Era tão branca que nem um rato. Sabe aqueles ratinhos bem pequenos, gosmentos... pois essa era minha irmã.
Como se não bastasse, além de todo mundo da família paparicar aquela garota, seu nome "MARIANGELA" ficou em destaque na porta do quarto... e o meu, não... Olha, quer saber, nunca vi nome tão feio na minha vida!
Agora, o meu é lindo "JOSIMARA" em homenagem aos meus avós paternos, claro, que novidade!
Uma semana depois, mamãe e papai vieram pra casa com aquela "coisinha minúscula" enrolada numa manta linda cor-de-rosa.
Ai! Que raiva! É claro que, teria que dividir todos os meus brinquedos com aquela garotinha que só sabia chorar, chorar, chorar...
Nunca vi tanto escândalo quando caiu aquele umbigo feio, mas, meus pais eram só felicidade... e eu?... Ninguém nem me olhava...
Tinha que fazer tudo sozinha: tomar banho, lavar bem as orelhas, passar xampú sem chorar quando caía nos olhos, me enxugar, não molhar o banheiro, escovar os dentes, comer sozinha, fazer as tarefas da escola e dormir sem um beijinho da mamãe e do papai... e tudo por culpa de quem? Daquela "coisinha minúscula", e, eu só tinha oito anos!
Ah! Que chato! Até as historinhas das Mil e Uma Noites, as minhas preferidas, mamãe não me contava mais.
Um dia, perguntei pra mamãe:
- Posso pegar ela no colo?
- Não! Mariangela é muito pequenininha... você pode deixar ela cair.
- Nossa, mãe, só perguntei... e você gritou...
- Vai brincar, vai Josi! Mamãe está ocupada dando mama pra sua irmã.
- Ai, Que raaaaaaaaaiva!
No dia em que Mariangela completava um mês, mamãe precisou ir ao mercado pertinho de nossa casa e estava uma manhã muito fria. Bem, é claro que fiquei com minha irmã.
- Josi, mamãe não demora. Sua irmã está dormindo. Fica aqui pertinho dela, só olhando.
- Tá bom, mãe!
Depois que mamãe se foi, fiquei admirada de ver como aquela "coisinha minúscula" cresceu, engordou e já não era tão branquinha e gosmenta como um rato. Ah! E o pezinho era tão bonitinho que não resisti e apertei os dedinhos... Ai, que susto! Mariangela acordou chorando muito. Fiquei desesperada!
Então, pensei, vou colocar ela no colo. Quem sabe não pára de chorar...
Com todo o cuidado do mundo, peguei uma cadeira, encostei no bercinho e segurei aquele corpinho tão frágil nos braços como faço com as minhas bonecas. Mas, ela era toda mole, diferente das bonecas... Meu Deus! O que vou fazer? Comecei a ninar Mariangela como mamãe fazia e ela parou de chorar. Será que gostou do meu colo?
De repente, sorriu, ela sorriu para mim... e aquele sorriso daquela "coisinha minúscula" foi a sensação mais linda que me aconteceu...
Vi que minha irmã era uma bonequinha linda e... sabia sorrir.
E fiquei pensando, por que as minhas bonecas nunca sorriram para mim?
Mas, Mariangela, era vida. Vida que fazia parte da minha vida também...
Embalei aquela "coisinha minúscula linda" no meu colo por muito tempo...
E se mamãe não voltasse? Ah! Não tinha a menor importância porque eu já tinha a bonequinha que queria e saberia cuidar dela direitinho pelo menos o Chapeuzinho Vermelho, a Xuxa e a Angélica nunca reclamaram...
Estava tão feliz que não ouvi os passos de mamãe... parecia que o tempo não havia passado...
Deitei Mariangela no bercinho com muito cuidado, mas a danadinha, não parava de mexer os bracinhos e as perninhas...
- Filha, estou orgulhosa de você! Quanto carinho com sua irmã!
- Mãe, por favor, não briga comigo não, eu apertei o dedinho do pé dela, só um pouquinho...
- Não precisa dizer nada, filha. Eu estou aqui há muito tempo observando você. Desculpa, mas mamãe ama muito as duas e você é muito especial!
Quando olhei pra mamãe, ela estava chorando, não sei se de felicidade, tristeza ou porque eu apertei o dedinho da minha irmã.
Hoje, Mariangela tem trinta anos e dedica todo o seu horário disponível para cuidar de mim com carinho, pois estou acamada sem chances de voltar a andar.
Mas, mesmo assim, sou uma mulher feliz, porque tenho carinho, atenção e amor daquela "coisinha" que sorriu pra mim na infância e que se tornou "a bonequinha mais maiúscula maior de grande" que eu já conhecera... além de linda e humana.