De volta pra casa. FINAL

Mateus amanheceu com febre alta. Dei-lhe um anti térmico e fui procurar a Adelaide. Resolvemos procurar o médico da família, pois faz algum tempo que estas febres aparecem e somem de repente. Hoje ela está mais alta do que de costume. Estou preocupada. Adoro aquele bebê. Ele me ajuda a esquecer meus irmãos. Ele gosta muito de mim e quando fica assim doentinho só quer ficar no meu colo. Mas quando está bom de saúde é um amor de criança e nos divertimos muito juntos.

Faz tempo que não vejo a Nina. Eles a tiraram daquela escola e por isso não posso vê-la. O meu irmãozinho Mateus também está tão longe que as vezes choro de saudades.

No consultório do médico da família, ele pediu uns exames e examinou mateus de cabo a rabo, como diria a minha mãe. Está com uma cara desconfiada mas não disse nada a gente. Pode ser coisa minha mas acho que o mateus tem alguma maleita séria. Ele tem umas manchas azuladas nas costas e eu não vi ele cair nem se machucar.

Chegamos em casa, do consultório, e ligamos a tv pra distrair. O noticiário das dez e quarenta dizia que a filha de um juiz tinha sido vítima de um atentado. A menina vinha chegando da escola e foi empurrada por alguém que passava. Ela caiu na calçada e está internada em estado grave. Tivera uma hemorragia. Omitiram o nome da criança e só falaram o nome do Juiz. Diziam que a garota precisava de um tipo raro de sangue e não encontravam ninguém que tinha esse sangue. Eu não liguei os fatos na hora mas a Adelaide saiu de fininho pra falar ao telefone escondida.

No dia seguinte o Mateus estava com febre de novo e começou a chorar. Adelaide chegou da rua e demos remédios pra ele. Colocamos no berço e ficamos ali em silêncio. O telefone tocou. Era o médico querendo falar com ela. Ela atendeu o telefone e começou a chorar. Não me disse nada mas minhas suspeitas se confirmaram. Eu tive que ir pra escola pra fazer as provas que me levariam pro segundo grau. A escola resolveu que era melhor eu fazer supletivo. Eu estava indo muito bem nos estudos e era muito velha pra ficar no meio das crianças. Deixar Mateus não foi fácil, mas consegui fazer as provas muito bem. Achei fácil demais. Parece até que estão querendo se livrar de mim.

Vou estudar em um colégio no centro da cidade mas resolvi só voltar a estudar quando o Mateus estivesse curado. Infelizmente a doença que o Mateus tinha era uma tal de Leucemia. Fazia o sangue dele ficar ralo e poderia até matar. Meu patrão que sempre foi muito ocupado agora não sai de casa. Pediu minha ajuda pra atender as ligaçoes e a correspondência e agenda dele. Ele me ensinou muitas coisas. Brincou comigo dizendo que eu agora parecia uma secretária muito eficiente. Estou aprendendo palavras novas e usando. Ele me elogiou dizendo que a maioria das pessoas que vem da roça faz questão de continuar a falar errado, mas eu não. O que eu aprendo, eu uso no dia a dia. Nem pareço mais aquela caipira que saíu de Sertãozinho.

Dezembro de 2013, dia 10. Nos preparamos para o Natal. Mateus está internado. Adelaide está muito triste e eu e o patrão resolvemos enfeitar a casa para que o mateus ficasse feliz ao voltar do hospital. Acreditávamos que ele seria liberado para passar o Natal em casa. Mas não foi bem assim. As quimioterapias são mais frequentes agora. Adelaide quase mora no hospital. Eu vou e volto pra lá e me divido entre as funções de babá e secretária do Augusto. Ele também está se desdobrando entre o escritório a casa e o hospital. Mateus fez 3 anos no sábado e a gente comemorou com bolinhas e bolo no quarto do hospital entre uma sessão de quimioterapia e outra. Ele está tão magrinho. Rasparam a cabecinha dele e os cachinhos louros,caiam sobre seus ombros. Para mim esses cachinhos fazem tanta falta! Como eu queria que isto fosse apenas um pesadelo. Hoje Adelaide me contou que a menina que se machucou na calçada era a Nina. Ela disse que a menina ainda estava internada pois o sangue que conseguiram pra ela não foi suficiente. Ela estava bem mas possivelmente as coisas se complicariam bastante se ela não conseguisse encontrar sangue compativel. Desci correndo a escada do hospital pois o elevador estava demorando. Tropecei e cai da escada. Desmaiei e fui levada pra enfermaria do hospital provisóriamente. Ali era um hospital pra câncer e por isso eu fui transferida pra um hospital com ala ortopédica. Quando acordei estava sentindo muita dor no pé. Logo ao chegar ao hospital do centro da cidade, fui atendida por um médico que me examinou e disse que estava tudo bem comigo mas que meu pé estava quebrado e portanto eu deveria ficar internada ali por um bom tempo. Meu patrão chegou em seguida e assumiu as despesas. Logo que ele chegou o médico chamou ele num canto e cochichou algo pra ele que eu não entendi. Ele me falou mais tarde.

_ Lia, sua irmã está internada neste hospital. Ela não reage aos tratamentos e precisa de sangue. O seu sangue pode servir pra ela mas precisará estar livre de infecção. Por isso você deverá ficar aqui se tratando até poder doar sangue pra ela. Os médicos acham que com a sua presença ela vai reagir. Eles acharam-na parecida com você e por isso me perguntaram se eram irmãs. Não tem ninguém na cidade com o mesmo tipo sanguíneo dela. Talvez o seu seja. Quer fazer o exame?

_Sim se eles fizerem questão. Sei que somos irmãs e por isso deve ser o mesmo.

_Nem sempre é assim Lia, as vezes o sangue de um irmão é igual ao do pai e do outro é igual ao da mãe. E as vezes ainda pode ser uma mistura dos dois. Tomara que sejam compatíveis pois ela vai precisar do seu sangue .

Augusto saiu e logo depois vieram colher amostras do meu sangue. Depois ele me levou numa cadeira de rodas até um quarto no segundo andar. (eu estava no quarto andar) e lá estava Nina na cama. Parecia adormecida. A mulher se levantou logo que eu entrei. Estava com os olhos inchados. E então eu percebi que ela amava minha irmã. Da sua maneira ela a amava. E se dirigiu a mim:

_Olá . Lia não é esse seu nome? Como vai?

_Sim Lia. Bem. Como está ela?

_Não sabemos. Apesar das transfusões de sangue ela parece cada vez mais fraca. Não quer se alimentar e não acorda fácil. Os médicos acham que ela está em depressão profunda e por isso não reage. Será que você poderia falar com ela?

Nem a estava ouvindo mais. Cheguei a cadeira pra perto da cama e falei com Nina:

_Nina, sou eu a Lia. Me escuta. Melhora vai. Tudo vai ficar bem agora. Vamos ficar juntas. Ninguém vai nos separar outra vez. - Nina acordou mas não nos olhou de fato. Ficou com os olhos entreabertos. Duas lágrimas sairam de seus olhos.

A mulher me olhou e as lágrimas cairam de seus olhos também. Ela chorou de soluçar. Falou que amava Nina e que nunca pensou em prejudicar a saúde dela. Que nunca mais separaria a gente outra vez. E falou isso segurando as mãos de Nina com carinho.

Minha irmã abriu os olhinhos timidamente e nos olhou a ambas com esperança. A mãe representava para ela o que eu não pude. Eu era seu elo com o passado. Juntas éramos uma família e separadas cada uma constituiu a sua familia. Falamos de nosso irmãozinho Mateus e ela ficou feliz em saber notícias dele. Esboçou um sorrizo. Ela prometeu se alimentar direito e, comigo por perto, isto realmente aconteceu. Meu sangue era o mesmo que o dela "AB negativo" e eu pude doar pra ela em uma semana. Em quinze dias ela já estava praticamente curada. Sua sapequice transbordava e ela começava a fazer traquinagens no hospital, quando o médico lhe deu alta. A mãe adotiva dela se chamava Júlia e nos tornamos amigas. Ela prometeu que eu poderia ver a Nina sempre que tivesse um tempinho e que seríamos irmãs de verdade se amando com seu apoio total. Ela é uma boa pessoa. Só se irritava com a Nina porque ela vivia tentando fugir pra voltar pra casa. E como ela não deixava , se vingava quebrando as coisas.

Augusto mandou o motorista me buscar pois ele estava no hospital com o Mateus. Em casa fiquei sabendo através da cozinheira que eles estavam de malas prontas para irem morar nos Estados Unidos. Talvez lá Mateus teria como ser curado desta doença. Parece que lá tinha alguém que queria doar uma tal de "medula óssea", compatível com ele, porque nem o Augusto nem a Adelaide e nem eu éramos compatíveis. Eles eram ambos filhos únicos e por isso a chance de ter um doador da família aqui, era zero.

Quando Augusto voltou do hospital me recomendou que cuidasse das coisas pra ele aqui. Eles estariam fora alguns meses e eu seria a ponte deles aqui. A casa e os bens deles por aqui seriam administrados por mim. Agradeci a confiança e desejei boa sorte para o Mateus. Perguntei se poderia trazer minha irmã para passear em casa e ele disse que sim. Ela e o Mateus seriam sempre bem vindos aqui.

O Natal passou e nem nos demos conta dele. Mas o Augusto me deu o maior presente que eu jamais poderia imaginar. Confiou em mim todos os seus bens. Deu-me uma procuração para resolver para eles tudo o que precisassem. E graças a Deus serei bastante esperta pra resolver com eficiência, e fiel para não deixá-los na mão.

Eu visitava a Nina quase todos os dias. Ia ao escritório, que ficava perto da mansão onde ela morava, e de lá passava pra vê-la. As coisas no escritório vão muito bem. Resolvi voltar a estudar. Não há nada que eu possa fazer pelo Mateus e por isso estudar é a melhor saída. Os advogados do escritório do Augusto me ajudam bastante. Mas sei que ele precisa que eu estude pra saber cuidar de tudo. O supletivo saiu-me relativamente fácil. Ando lendo tudo o que posso e assim estou adorando passar de ano rápido assim. No final do ano que vem estarei pronta pra fazer vestibular. Espero fazer faculdade de Advocacia. Quero que o Augusto e a Adelaide sintam orgulho de mim.

Janeiro começou com chuva e eu fui visitar a Nina logo cedo. Ela me pediu pra ver o Mateus e então com a permissão da mãe dela estamos nos preparando para ir a Sertãozinho visitar o Mateus. Ele já fez quatro anos e espero que ainda se lembre da gente. É feriado aqui e a gente vai aproveitar esta data pra ir até lá. O Janjão, motorista do Augusto se ofereceu pra nos levar até lá. Liguei pro Augusto e ele me deu boas notícias do Mateus. Aprovou a idéia da visita e pediu desculpas por não ter nos levado pessoalmente lá.

A viagem foi maravilhosa. O Janjão parava sempre que a Nina queria fazer xixi e a gente parou pra lanchar e almoçar no caminho. Chegamos a cidade a tardinha. Mateus estava brincando na frente da loja. Quando nos viu correu até nós. Não pulou no meu pescosso mas ficou todo emocionado. Abraçamo-nos os três e ficamos assim por um momento. Rimos muito e ele nos mostrou tudo o que tinha ganhado do homem que ele agora chamava de pai e da mãe.

Sr Alberto disse que se eu quizesse levá-lo embora eu poderia. Mas eu prefiro que as coisas sejam diferentes. Contei a ele como as coisas estão, tudo o que estava acontecendo e então ele entendeu a minha posição. Perguntou se poderia adotar o Mateus e eu lhe dei a minha permissão. Meu irmão estava muito feliz com eles. Mandei arranjar a nossa casa, pra podermos voltar sempre que quizéssemos e voltamos para cidade grande.

Deixamos Mateus cheio de presentes que levamos pra ele( eu e a Nina, pois a Júlia comprou muitos também) Prometi voltar e ele me fez prometer que eu não demoraria.

Em casa liguei pra Adelaide e lhe contei a viagem. Ela ficou emocionada e feliz por mim. O Mateus tinha recebido a medula óssea e estava reagindo. Logo estaria bem pra voltar pra casa.

Hoje passei no vestibular e não tinha meus pais pra contar pra eles. Contei pra Adelaide e pro Augusto e ele se emocionou. Disse que eu sou a filha que ele queria ter. Que eu fechasse os olhos e imaginasse um beijo dele em minha testa e um abraço de pai. Chorei de saudades deles. Principamlemte do Mateusinho. Faz um ano que eles se foram.

O Janjão e a cozinheira fazem de tudo pra me divertir mas eu estou triste. Esta casa não é a mesma sem eles. Um advogado do escritório pediu a minha assinatura em um documento mas eu preferi ler depois e não assinei na hora. Quando cheguei em casa era um pedido de adoção. Augusto pediu a justiça pra me adotar como filha dele e da Adelaide. Chorei muito de felicidade. Amo esta família como se fosse minha de verdade. O telefone tocou e era o Augusto. Perguntou-me se eu ficara feliz com a descoberta e eu quase não consegui falar. Ele me avisou que eles estavam voltando para o Brasil. Eu deveria esperá-los no aeroporto. Eu e Janjão iríamos logo cedo pra evitar engarrafamentos.

Dia 15 de Janeiro amanheceu um lindo dia. Partimos as 6 horas pro aeroporto e chegamos muito cedo para a chegada do avião. Ele pousou em solo as 9 horas, com um pouquinho de atrazo. No portão de desembarque eu não me aguentava de ansiedade. Quando a porta abriu saiu correndo pela porta um menino magrinho e risonho, que se atirou em meus braços. Era o meu mateus. Meu irmãozinho querido de agora em diante. Augusto e Adelaide sairam em seguida e me deram um longo abraço. Formamos uma família feliz. Nunca fui tão feliz em toda a minha vida. Agora sei que Deus escreve torto mas tem um objetivo para nós. Saímos do aeroporto e fomos direto pra casa. Em casa tinha uma surpresa esperando por nós.

A júlia e o juiz com a Nina; o Mateus com seu Alberto e esposa, e alguns amigos da Adelaide e Augusto alem dos advogados do escritório dele. Prepararam uma festa surpresa pra comemorar a volta do Mateus e o meu registro como filha do casal. A festa foi maravilhosa e eu era só felicidade. Sempre sonhei em voltar pra casa com Mateus e Nina. Mas agora eles tem uma família e nós nunca deixaremos de ser irmãos. Eu também ganhei uma linda família. Estamos comemorando meu aniversário. Como eu não tinha um dia de nascimento quando cheguei aqui, calcularam minha idade cronológica e assim ficou determinado que este seria meu aniversário. Hoje , portanto eu estou comemorando meus dezoito anos de idade. E agora estou me sentindo de verdade de volta pra casa.

Fim.

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 27/02/2015
Reeditado em 12/04/2017
Código do texto: T5152206
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