O ataque da ariranha
Hugo Hortêncio era coronel do Exército e nos ensinava russo, em tempos de guerra fria e resistência feroz ao famigerado AI-5. Não guerreávamos então no ambiente acadêmico. Trocávamos amistosamente as obrigações de ensinar e de aprender - essa última ação, contudo, nem tanto. Mestre e alunos compartilhavam as honras do lento e gradual e restrito aprendizado. Russo é ruço mesmo. A começar pelo aparentemente intransponível alfabeto.
E o corpo discente, mole por natureza, queria mais era um refresco numa língua somente opcional na nossa já alentada grade curricular, que incluía até as linguagens mais ininteligíveis do planeta: fortran e cobol.
O professor, nada obstante, dava o melhor de si, atendo-se à língua e só incidentalmente palpitando na façon de vivre do povo eslavo. Uma vez discorreu um pouco mais longamente sobre o que chamava a frialdade de Lenin. Típica do povo daqueles climas inóspitos. Não teve contestação. E não era para menos, naquela câmara gelada onde é mantido e velado, Lenin talvez fosse o único a negar o esquentamento da terra - sentido por todos.
E, em meio à pasmaceira de nossa evolução política, surgiu uma manchete que abalou Brasília. Falava no ato de heroísmo de um sargento que saltara ao fosso das ariranhas, no zoológico local para salvar a vida dum imprudente guri. O sargento levara centenas de dentadas e sua vida se achava sob sério risco.
O professor Hortêncio reproduziu-nos a manchete naquela mesma manhã e mal terminada a leitura, uma sempre concentrada colega matogrossense, ao invés de explorar mais o conhecimento do mestre, pedindo-lhe por exemplo como se diria ariranha na terra de Brejnev, resolveu ser mais original e ousada:
- Mas professor, o que vem a ser ariranha?
Ao que veio a resposta, no mais castiço português:
- Ariranha, minha filha é a mistura do incomparável compositor Ary Barroso com o talentoso chefe antepassado da nossa diplomacia, Oswaldo Aranha.
- Peraí, professor, fala mais devagar pra eu poder anotar tudo direitinho...