665-O FIM DA INOCÊNCIA

— Mamãe, a professora falou que o Coelhinho da Páscoa é mito. Que ele não existe. É verdade?

Fui tomada de surpresa pela pergunta de Clarinha, ao chegar do colégio. Era a Semana Santa e estávamos envolvidos com a compra de ovos de páscoa para as crianças.

Que responder? Não podia dizer que a professora não estava dizendo a verdade nem queria quebrar essa doce ilusão na cabeça de minha filha. Clarinha estava com nove anos e era (assim me dizia ela) a única menina da classe que acreditava no Coelhinho da Páscoa.

Fui atacando assunto pelas beiradas.

— Filhinha, a professora está com a razão. O Coelhinho da Páscoa é uma história muito antiga, que de tanto ser repetida, tornou-se uma lenda e as crianças pensam que é verdade.

— Mas como é que ele trás ovos para as crianças?

— Bem, os pais das crianças é que providenciam os ovos (evitei ousar o verbo comprar), Também os avós, os tios, os padrinhos e madrinhas dão ovos de páscoa para os netos, para os sobrinhos e para os afilhados e afilhadas.

— É mesmo. A gente ganha ovos de muita gente. — Concordou Clarinha. — Mas e os ovinhos escondidos. Se não tem coelhinho, quem é que esconde os ovos para a gente procurar

— Essa é uma brincadeirinha para animar as crianças no domingo da Páscoa. São as pessoas adultas que escondem os ovos para as crianças procurarem. Tudo de brincadeirinha.

— Ah! Está bem.

Clarinha parecia ter aceitado a minha explicação. Suspirei aliviada. Mas sem arredar o pé da cozinha, onde eu preparava um bolo, ela continuou no inquérito.

— Mas... mãe... e o Papai Noel. Ele existe, não é mesmo?

— O Papai Noel é uma história também muito antiga. Houve, sim, um velhinho muito bom, que gostava de distribuir presentes para as crianças, quando chegava a época de celebrar o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele era Bispo em um lugar muito longe daqui e chamava-se Nicolau. Era tão bom que virou santo. São Nicolau.

— Mas como é que ele dá presentes para todas as crianças no mundo inteiro?

— Pois é, de tanto se falar nele, virou também uma lenda. Quando uma criança pede presente para Papai Noel, falam com a mãe, com o pai, que então providenciam os presentes.

— Puxa, ia ser mesmo difícil para ele andar o mundo inteiro numa noite só. Agora estou entendendo...

De minha parte, fiquei contente comigo mesma por ter me saído bem com uma explicação simples e que tinha aparentemente satisfeita a curiosidade de Clarinha. Porém o mais complicado estava por vir;

— Mamãe... e a Fada Dentinho?

— Que é que tem a Fada Dentinho?

Clarinha estava na segunda dentição. Tendo perdido os dentes de leite, passara pelo período de banguela e agora os dentes definitivos estavam nascendo. Cada dente que caia era colocado num envelope, com uma carta para a Fada Dentinho, que respondia com um “presente” de um real, que aparecia debaixo do travesseiro. Daí a curiosidade.

— Bem... A Fada Dentinho é outro personagem do País do Faz de Conta, e só se corresponde com as crianças boazinhas que lhe mandam o dentinho.

Clarinha já andava desconfiada de que Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Fada Dentinho eram personagens de “faz-de-conta” Mas precisava de alguém com autoridade (no caso, eu, a mãe) para confirmar suas suspeitas.

Com a mesma naturalidade que ouviu as explicações saiu da cozinha, dando pulinhos, e foi brincar com a Téia, sua nova cachorrinha... de verdade!

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 26 de abril de 2011

Conto # 665 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/02/2015
Reeditado em 24/02/2015
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