HOMEM NA CHUVA V

HOMEM NA CHUVA V

Segunda-feira. Acordei assustado, pensei estar atrasado. No relógio 5:00 em ponto. No horário de verão a escuridão nos engana sempre. Lá fora chovia, chuva de molar bobo, daquelas mansas, mas continuada. Já fiquei com uma pulga atrás da orelha. Com chuva a possibilidade do “homem na chuva” aparecer era bastante ampla.

Fiz as abluções necessárias, o mais rápido possível. Pus uma folha de jornal na cabeça (a título de guarda-chuva) e corri para o ponto de ônibus. Dei sorte três vezes. Eu estava dentro da pontualidade. No que cheguei o meu ônibus passou; assim que entrei neste, a chuva engrossou. Acho que a quarta sorte foi quando passamos o Terminal Isidória, a chuva virou tempestade. Era água como que despejada com balde, e vento que revirava as árvores, ao longo das Avenidas e ruas, por onde passava o ônibus; e não se tinha visão nem de um palmo adiante do nariz.

No cruzamento da Avenida Deputado Jamel Cecílio com a Marginal Botafogo, o ônibus parou no semáforo vermelho, meus cabeços se eriçaram: o mesmo homem que vi no domingo, na terça-feira, na quinta-feira e no sábado estava bem na ilha, no meio da Avenida; tomando aquele aguaceiro. Para piorar, ali não tinha como fugir da tempestade, a menos que corresse para longe, pois as construções mais próximas que poderiam dar-lhe abrigo estavam a mais de trezentos metros de distância. E ele inerte, feito pau de sebo.

Mais uma vez ele queria era se molhar. Estava parado, ereto, virado para o sentido oeste da Avenida Deputado Jamel Cecílio, exatamente a direção de onde vinham os pingos de chuva e o vento, que ele recebia, com resignação, pelo corpo.

Só poderia ser de outro mundo... Sua calça jeans era a mesma, a camisa amarela idem, arregaçada no cotovelo; a sacola de plástico também, pendurada na mão esquerda; novamente estava de boné, agora amarelo como sua camisa, sem nada escrito.

Dentro do ônibus, resolvi comentar, sem ser para ninguém específico, apenas como que para desabafar:

- Este cara parece que está me perseguindo. O vi no penúltimo domingo, sob a chuva da tarde, na esquina da Rua Teresina com a Rua São Luiz; na terça-feira o vi, na Avenida Quarta Radial, debaixo de chuva, um pouco antes de escurecer; depois o vi tomando chuva, de madrugada, em frente ao Terminal Isidória, na quinta-feira; e no sábado passado o vi em frente ao supermercado Extra, no Final da Avenida S1 e agora aqui.

Uma senhora sentada logo atrás de mim chamou minha atenção, com um cutucão no ombro e contou:

- Pois eu também o vi no domingo, naquela chuva da tarde, lá na Avenida Quarta Radial; na terça-feira, o vi na em frente ao Terminal Isidória, molhando naquela chuva do anoitecer; na quinta-feira, uns minutos antes das 6:00 h ele estava lá em frente ao supermercado Extra; e agora está aqui neste lugar.

Benzemo-nos, com o sinal da cruz, tentamos ver através da cortina de chuva, no que constatamos que ele estava lá, imóvel como sempre; de certa forma querendo nos dizer:

- “Eu sou o homem na chuva... e vocês jamais saberão quem eu sou.”

Nem quero saber! (pensei com meus botões)

O semáforo mudou para verde, o ônibus arrancou. Ele ficou lá e nós seguimos em frente. Até por que a vida segue, com ou sem os fantasmas nossos de cada dia.

P. S. Realmente vi este homem na chuva nos lugares e horários indicados, a ficção fica por conta dos outros personagens.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 23/02/2015
Código do texto: T5146935
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