O Colapso da Grande Empresa
Vieram do gabinete do chefe com o coração apertado. Estavam em reestruturação e isso não queria dizer nada além de cortes na despesa na empresa, despedimentos, mais horas de trabalho por menos dinheiro. A justa revolta era abafada pelo medo que todos tinham de ser dispensados, mudados para lugares de trabalho para os quais não estavam preparados, com remuneração mínima ou, ainda pior, o despedimento sem direitos. As traições começaram nesse dia. Denúncias, hipocrisia, bajulações infames. Amizades de dezenas de anos ruíam e tornou-se pesado para todos o local de trabalho. O Diretor chegava quando queria, organizava o serviço, falava ao telefone, via as notícias e saía, sorridente e excessivamente perfumado, pouco tempo depois. Quando transferiram a Rita para lá, sem tarefa definida, ela não se conformou. Importava ter desmotivados e deprimidos os funcionários a dispensar e Rita sabia que estavam contados os seus dias na Empresa. A princípio ainda tentou estabelecer diálogo mas, como estavam todos refratários, manteve-se a observar tudo, a organizar-se mentalmente e, como ninguém a convidasse sequer para o café no intervalo do almoço, ficava no escritório a baralhar documentos e pastas de arquivo, a adulterar datas, a trocar as fotos dos processos, a plastificar os cartões dando um toque na máquina de modo a que a cara do interessado ficasse como os retratos do Francis Bacon. Introduzindo clips ou objetos estranhos na fotocopiadora, desconectando os computadores, escondendo documentos, dando informações deturpadas ou trocando, na papelada, os materiais nos carregamentos a efetuar para outras localidades em breve Rita conseguiu que o pesadelo assumisse tais proporções que o colapso se anunciou como eminente. O Diretor, que a mandara conformar-se ou ir embora, passou a chegar a horas e de mau humor. Dispensou ou puniu mais gente, agudizou a precaridade do trabalho e, incapaz de perceber o que estava a acontecer, demitiu-se para evitar ser demitido. A Direcção acabaria por encerrar por manifesta incapacidade e o pessoal foi transferido para outros sectores passando muitos a agir como a Rita sabotadora. O Ministro da Economia que seis meses antes apontou como exemplar aquela Empresa, foi acusado de incompetente logo que se soube do colapso daquela unidade. Sabot, ou melhor, Rita Gonçalves Araújo, ex escriturária de primeira, em polémica entrevista à televisão declarou com plena razão que, em seu entender, todos os responsáveis da “reestruturação” se esqueceram de que a seriedade faz parte do jogo, a justiça é imprescindível e, sobretudo, que faz mais e melhor um funcionário quando quer do que dez por medo e dever.