HOMEM NA CHUVA IV
HOMEM NA CHUVA IV
Sábado, 11:09 h, horário de verão. Mais uma vez chovia, se é que aqueles pingos esparsos poderiam ser chamados de chuva. Mas se uma pessoa ficar por muito tempo tomando-os no lombo é certo que irá se molhar.
Eu estava saindo da lotérica, que fica na entrada do supermercado Extra, no final da Avenida Laudelino Gomes, perpendicular ao início da Avenida S1. Sou viciado em jogos acumulados, e a mega senna iria pagar uma bolada, exatamente naquele sábado. No que pus o pé na calçada vi ele, de costas para mim. Sim senhor! O mesmo homem que vi no domingo, na terça e na quinta-feira. Aquilo estava se tornando coisa de outro mundo. Estava no máximo uns três metros da entrada do referido Supermercado Extra. E novamente ele se molhava por que queria, pois se entrasse por onde saí, estaria abrigado da chuva, ali, na lotérica ou no interior do próprio supermercado; ou atravessasse a Avenida Laudelino Gomes, para a qual ele estava de frente, se esconderia no interior das Casas Bahia, aberta no momento; ou ainda, se preferisse, ficava sob a marquise da própria Casas Bahia. Na pior das hipóteses ele podia se virar para sua direita, atravessar a Avenida S1 e se proteger da chuva nas dependências da loja Novo Mundo ou sua marquise.
Aquele infeliz sempre queria se molhar na chuva, nada o demovia deste intento.
Desta vez ele não se movimentava de jeito nenhum, era uma verdadeira estátua.
Sua indumentária era a mesma de sempre: a mesma calça jeans, a mesma camisa amarela, arregaçada no cotovelo; a mesma sacola de plástico, pendurada na mão esquerda; desta vez sem nada na cabeça, nenhum boné; viam-se escorrendo dos lados da cabeça uns poucos fios lisos de um cabelo de cor indefinida.
Um senhor respeitável, também o observava e comentou:
- Caramba! Este cara gosta realmente de chuva. No domingo à tarde, eu passava por aqui, vi ele nesta mesma posição; na terça-feira, começando a escurecer ele estava aí; na quinta-feira de madrugada eu ia para o trabalho e vi esta estátua; hoje de novo!
Não vi da hora que perguntei:
- O senhor tem certeza de que ele estava aqui nestes dias e horários?
O senhor meio que ofendido retrucou:
- Não estou louco! Eu o vi exatamente como eu disse.
Resolvi por fogo na fogueira:
- Pois eu o vi no domingo, naquela chuva da tarde, na esquina da rua lá de casa (Rua Teresina com a Rua São Luiz); na terça-feira, o vi na Avenida Quarta Radial em frente uma lanchonete, molhando naquela chuva do anoitecer; na quinta-feira, uns minutos antes das 6:00 h ele estava de frente para o Terminal Isidória; e agora está aqui neste lugar.
O senhor rapidamente duvidou de mim:
- Impossível estar em mais de um lugar ao mesmo tempo.
Pensei em tirar esta encrenca a limpo:
- Se o senhor vir comigo até ali na Avenida Quarta Radial, o proprietário da lanchonete vai afirmar para o senhor que na terça-feira este cara estava sob a chuva, bem em frente à lanchonete.
Durante nosso diálogo descuidamos do homem na chuva; e ele escafedeu. Mas eu já estava acostumado com seus sumiços, nem dei bola; e parece que o senhor também não se importou.
Fomos à referida lanchonete, distante uns setecentos metros do Supermercado Extra, mas foi aí que entornou o caldo, pois o proprietário da lanchonete disse:
- Ele estava ali ainda agorinha, todo molhado.