O Cheiro de Lavanda

As luzes da sala de jantar estavam apagadas. O cheiro de comida, que sempre lhe enfunava as narinas e estimulava o seu estômago, inundava a sua memória.

Ele era perfumista, tinha aquele nariz adunco, as fossas nasais sensíveis como as de um cão. Decifrava os ingredientes de qualquer prato pelos odores. Assim, quando ele chegava em casa, ia logo recitando os ingredientes da comida.

Recordava-se que, no dia anterior, chegara em casa, sentira o cheiro de alecrim e, muito bravo, reclamara para sua esposa:

– Lucília, você usou alecrim, novamente! Eu detesto esse cheiro adocicado!

– Não usei alecrim. É salsa! – Rebateu Lucília sentindo-se insultada.

– Lucília, você pode me enganar em tudo, menos com perfume!

– Alberto, por que acha que eu lhe enganaria? É salsa misturada com hortelã. Fiz um molho com noz-moscada, mel e azeite extra-virgem. Acrescentei um pouco de pimenta rosa para quebrar o doce. Experimente o prato!

– Você mente, mulher! Até na hora de preparar a comida, utiliza-se da dissimulação. Eu sei que nesse prato não há noz-moscada, cujo aroma eu reconheceria até debaixo d’água.

Porém, naquele dia, Alberto não tinha do que reclamar. A mesa de jantar não estava posta, não havia cheiro de alecrim, hortelã ou noz-moscada. Havia somente aqueles perfumes que não o abandonavam e um sufocante cheiro de lavanda. Ele estava trêmulo, tinha nas mãos um papel, que lia repetidas vezes:

“Alberto, agora você vai colocar os ingredientes que desejar na sua comida! Não sentirá mais o cheiro de alecrim, nem o de noz-moscada! Aproveite e bom apetite.”

O bilhete era curto, breve como uma estocada. Ele o lera várias vezes em busca de uma palavra que lhe desse uma pista, como se o pequeno papel contivesse um enigma. Porém, a única certeza que o bilhete lhe oferecia era que Lucília havia partido.

Ele caminhou até o espelho da sala, examinou o seu aspecto. Tinha consciência de sua má aparência e de seu ar fatigado. Observou o seu reflexo e, como se visse um estranho, disse:

– Ah, Lucília, o enjôo que eu sinto ao cheiro do alecrim é tão pequeno diante do que me causa a tua ausência! Tu me roubaste a minha filha! Essa linda menina, que suspeito não ter meu sangue.

Como ele não tinha mais ninguém contra quem dirigir aquela frustração, desferiu um golpe contra o espelho. O sangue espirrou de sua mão.

Nesse ínterim, a campainha tocou. Ele foi atender. Era o seu ajudante, o Valdomiro. Vinha lhe avisar que a sua loja havia sido arrombada.

– Vieram dois homens e me amarraram, seu Alberto. Mas, para sua sorte, eles levaram apenas os estoques de lavanda!

Arquejando desesperado, Alberto partiu para cima de Valdomiro, cobrindo-o de pancadas.

– Foi você, seu ladrão! Eu lhe pago para vigiar a minha loja e você a rouba, assim como roubou o coração de Lucília.

Valdomiro não rebateu os socos, pois isso ia contra a sua humildade. Agachou-se para se defender.

– Patrão, desculpe me intrometer. É por causa da dona Lucília?

Alberto, indignado, chutou o estômago do empregado. A dor lancinante apagou do coração de Valdomiro tudo o que ele aprendera sobre a maneira humilde como deveria se portar diante do patrão. Ele sentiu um fogo arder em suas faces, e, tomado por um impulso febril, bateu no patrão até deixá-lo estirado. Limpando as mãos, Valdomiro disse:

– O senhor tem razão em tudo que disse, menos que sou ladrão.

Alberto tentou se erguer, mas não conseguiu. Ainda teve força para pronunciar:

– Está demitido.

Passados alguns dias, Alberto descobriu onde Lucília estava. Na casa de Gustavo, o seu melhor amigo!

Há milhares de anos essa história se repetia: a esposa escolhe como amante o melhor amigo do marido e vice-versa. Como ele não suspeitou? Era óbvio!

Lembrava-se da maneira como Lucília tratava Gustavo e o carinho que ela tinha pela esposa dele. Lucília era uma falsa. Fingia-se de amiga de Marta simplesmente para lhe roubar o marido.

Alberto pegou a pistola, entrou na casa de Gustavo. Um empregado veio atender. Ele avançou com a arma em punho, arrombando portas, ninguém ousou detê-lo.

Quando conseguiu abrir a porta do quarto do casal, ele avistou Gustavo adormecido na cama, enquanto as duas mulheres estavam nuas na banheira perfumando-se com flores de lavanda. As mesmas que ele usava para fabricar seus perfumes.

Raida de Olivença
Enviado por Raida de Olivença em 04/06/2007
Código do texto: T513612
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