HOMEM NA CHUVA III
HOMEM NA CHUVA III
Quinta-feira, 5:49 h, da madrugada, de horário de verão. Chovia uma chuvinha gostosa e intermitente, característica daquelas que meu avô dizia “chuva de molhar bobo”. Eu estava dentro do ônibus coletivo, indo para o trabalho, exatamente naquele momento o ônibus estava parado dentro do terminal Isidória (terminal de usuários do transporte coletivo, para onde convergem estes, vindos dos diferentes bairros da região sul da grande Goiânia). O ônibus estava parado devido um defeito no limpador de para-brisa. Coisa de menos de cinco minutos ficaria pronto.
Olhei para o lado de fora do terminal, na direção leste, eis que havia um homem sob a chuva, quieto como um poste.
Pelo visto aquele mesmo homem que vi no domingo e na terça-feira.
E novamente ele se molhava por que queria, pois do lado dele, quase de se encostar, à sua esquerda, havia um quiosque, típico de lanches rápido, e aberto àquela hora, exatamente para servir os usuários do transporte coletivo, caso quisessem comprar um lanche, sendo que suas beiradas, em todo perímetro do quiosque, serviriam de proteção contra aquela chuvinha fina e fraca. À sua direita, uns dez metros, no máximo, só precisava atravessar a Avenida segunda Radial (Avenida que sai do terminal em direção leste, mais precisamente para Vila Redenção) está uma loja de peças automotivas, mais precisamente de escapamentos de veículos, fechada naquela hora imprópria para o comércio, mas sua ampla marquise daria para abrigar um batalhão de homens esquisitos como aquele. À sua frente, o Terminal Isidória, propriamente dito, bastando cruzar o anel que contorna o referido terminal, e estaria no seco.
Aquele sujeito desejava se molhar na chuva, sem a menor sombra de dúvidas.
Parecia que ele não sabia outro movimento, sempre o mesmo de domingo e terça-feira: passava a mão direito no rosto para limpar o excesso de água.
Novamente vestia a mesma calça jeans, a mesma camisa amarela, arregaçada no cotovelo; a mesma sacola de plástico, pendurada na mão esquerda; a única diferença visível era novamente o boné, agora listrado em preto e branco, sem nenhum dizer e/ou propaganda, a não ser que estivesse na parte de trás, uma vez que ele estava de frente para nós, no terminal.
Para me certificar de que estava tudo dentro da normalidade, mesmo de dentro do ônibus, pus a cabeça na janela, me verei uns cinco segundos para o lado e perguntei a um funcionário do terminal, que estava junto do ônibus:
- O senhor também está vendo aquele homem parado, sob a chuva, do outro lado da Avenida?
No que voltei os olhos para lá cadê o cara?
Mesmo ele não estando mais lá, o perguntado confirmou fazendo uma nova revelação; agora realmente assustadora:
- Vi sim. Domingo, eu estava voltando de um passeio, ele se molhava naquela chuva da tarde. E terça-feira, na chuva do anoitecer, ele estava no mesmo lugar, vi por que vim comprar cigarros aqui nos camelôs. Moro logo aqui atrás da loja de escapamentos.
Realmente fiquei assustado, pois no domingo, o homem estava na esquina lá da minha casa no horário da chuva da tarde; e na terça-feira eu o vi, um pouco antes de escurecer, na Avenida Quarta Radial, em frente à lanchonete, mais ou menos um quilômetro dali.
O cara tinha o poder de estar em vários lugares ao mesmo tempo?