651-TREVO DE QUATRO FOLHAS - Memórias

TREVO DE QUATRO FOLHAS

Eu vivo esperando e procurando

Um trevo no meu jardim

Quatro folhinhas nascidas ao léu

Me levariam pertinho do céu.

A música simples e brejeira, sucesso na década de 1960, me trás á memória fatos da década de 1940. (Eta tempão danado! Minhas recordações datam mais de sete décadas...)

Mas voltemos ao tema da música — trevo de quatro folhas.

Papai mantinha uma horta no quintal da nossa casa, com uns vinte canteiros grandes cultivados com verduras, mais duas áreas sem canteiros, onde formava as leiras de tomates ou plantava as covas de milho, conforme a estação: o milho na estação das águas, o tomate na época da seca, que tomateiro não gosta de chuvas.

Ele dedicava à horta pelo menos uma hora por dia. Pelas cinco da tarde, limpava a oficina de marceneiro e ia para a horta: podar tomateiros, cortar brotos ladrões dos pés de jiló, capinar o milharal, preparar os canteiros para novos plantios, e irrigar as verduras: alface, couve, almeirão chicória, serralha, espinafre, etc. Eu e Artur, irmão mais novo, ajudávamos na rega, carregando baldes com água para abastecer o regador de papai.

As capinas dos canteiros de verduras era um trabalho delicado, feito com as mãos a fim de não prejudicar as plantas tenras. Era a nossa obrigação: eu e Arthur, quando não estávamos estudando as lições ou fazendo os deveres escolares para a aula do dia seguinte, em nossas horas vagas tínhamos de limpar os canteiros das ervas daninhas: beldroega, tiririca, cariru de porco, trevo de bananinha, trevo comum, gramíneas diversas.

As mãos pequenas entravam por entre as folhagens viçosas. Arrancadas pela raiz, as pragas eram lançadas no galinheiro, onde as aves brigavam pela ração verde. Entretanto, o cariru de porco às vezes crescia muito, apresentando talos grossos, mais grossos do que nossos dedos infantis. Então, antes de mandar tudo para as galinhas, nós cortávamos os talos em tamanho igual, que cabiam numa gaveta de caixa de fósforos e nossa imaginação transformava aqueles talos verdes em “lenha” para nossas brincadeiras. Tínhamos um estoque de caixinhas de fósforos, as caixas de lenha, e até um depósito de lenha, num canto da casa pouco visitado pelos adultos.

Mas, e o trevo de quatro folhas?

Ah! Aí vem a minha lembrança.

Tio Armando, que morava conosco, era muito brincalhão e a título de nos incentivar na obrigação das capinas, instituiu um prêmio — que nunca mencionou qual seria; dizia que era uma “caixa de mistérios” — para quem encontrasse um trevo de quatro folhas. A capina dos canteiros com os trevos exigia mais cuidado. Eles tinham de ser arrancados com o pequeno bulbo, uma cebolinha através da qual o trevo se multiplicava. O serviço, portanto, era trabalhoso, mais do que o cariru, que nos fornecia lenha para o depósito.

Enfim, o desafio tinha sido lançado e tanto eu como meu irmão dedicávamos uma atenção muito grande na capina de trevos, e por vezes, disputávamos um trecho do canteiro onde havia mais trevos, na ânsia de encontrar um premiado, de quatro folhas. .

Nós dois acreditávamos no tal trevo de quatro folhas, como tínhamos certeza da existência de Papai Noel, de Maria Engomada (fantasma do Jardim Novo, antigo cemitério), da Mula Sem Cabeça e do Saci Pererê, Como todos os mitos e ilusões da infância, esta crença não fazia mal. Pelo contrário, nossa imaginação ia a mil, pensando em conseguir o premio, abrir a “caixa de mistérios” e... então?

Eu nem ousava pensar o que viria depois!

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 11 de fevereiro de 2010

Conto # 651 da SÉRIE 1OOO HISTÓRIAS

Os contos da Série Milistórias são arquivados na

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/02/2015
Reeditado em 11/02/2015
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