Os Segredos

Agora estava velho, limitado fisicamente, intolerante e cansado. Não tinha paciência para a mediocridade e recusava-se a pactuar com a tirania dos mais novos e a aceitação passiva dos pais. - A andropausa costuma demorar entre trinta a quarenta anos, disse-lhe o seu médico de família. Foi assim, na verdade. Começou por sentir os ossos a estalarem sempre que se esticava, a perder a visão para perto numa presbitia irritante e, na hora dos devaneios, falhava-lhe o bicho em nove de cada dez vezes que forçava a porta do paraíso. Depois, sem se conformar nunca, inscreveu-se num ginásio, controlou a dieta, nada de açúcar, nada de álcool, muitas caminhadas e a coisa resultou. Era um senhor magro, elegante, enérgico, lúcido e com a certeza de que o sexo acontecia, predominantemente, na cabeça e que, se não passasse por ela, era pífio e sem qualidade. Em todo o caso sentia saudade dos seus tempos de vigor quando o corpo colaborava mais com a vontade. Seja como for, adorava apreciar uma boa perna a continuar-se em coxa rosada que se escondesse em saia curta, um decote próprio para exibir alegrias e, também, qualquer todo bonito, dos cabelos ao cruzar dos dedos, dos olhares à macia pele dos lábios que via mexer mas que, para sentir melhor, eliminava o som das palavras. Passou a ter horas de puro deleite e mesmo sem que as suas mãos irreverentes pudessem analisar firmezas e suavidades, vivia tranquilo os seus segredos. Felizmente, a gula nunca se perde, a vontade não acaba e a todos os homens Deus oferece uns minutos do passado em regra durante o sono. E Augusto, o senhor de idade, cirandava pelo mercado, pelo café, pelas ruas movimentadas da cidade ou ficava pendurado na janela a ver passar as maravilhas. Tudo parecia correr de modo sereno até soar um alarme interior que o fez ter muito mais cuidado. A moça por onde divagava o seu pensamento começou por aconchegar o decote da blusa, esticar a minissaia e, desconfortável, gritou para a matrona que ia a seu lado: - Mãe, aquele velho está a olhar para mim. E uma infame discussão toldou a sua liberdade.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 09/02/2015
Código do texto: T5131104
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