Barbie Girl
Ela tinha descoberto a pessoa que lhe completava. Sua alma gêmea, seu amor. Ao olhar nos olhos dela, via-se invadida de um sentimento de compreensão. E, como alguém já disse, não há sentimento melhor do que sentir compreendido por alguém. Nos braços da pessoa amada encontrava o calor, o aconchego e o desejo mútuo. Seus corpos nus encaixavam-se quase que perfeitamente. Se o amor é eterno enquanto dura, sabia que, pelo menos, enquanto durasse esse sentimento, ela era a pessoa ideal. Doce, compreensiva, amiga, sincera, companheira.
A pessoa amada lhe fazia esquecer de outras experiências. E experiências, ela teve várias. Era uma dama da noite. Enfeitiçava os homens. Todos a queriam, todos a desejavam. Uma ninfa que se transformava numa deusa do sexo. Aos seus pés, vários homens rastejaram. Os seus pés vários homens lamberam. Nos seus pés, os mais caros sapatos os homens colocaram. O seu corpo estava à venda, mas não o seu coração. Por isso mesmo, ela sabia se vender bem caro. E os homens pagavam o que ela pedia. Uns tolos que, muitas vezes, deixavam metade de seus ordenados na cabeceira de sua alcova.
Ninguém pechinchava. De início, poucos esvaziavam a carteira para deitar na mesma cama que ela. Com o tempo, tornou-se uma celebridade. Todos a queriam. De dia, era uma moça da sociedade, uma Barbie, filha de gente de nome. Mas não existe nada mais sujo e obscuro do que a própria sociedade. De dia, condenavam o seu ofício. “Como pode? Uma sem-vergonha”. À noite, os mesmos que lhe condenavam buscavam os seus encantos. Os seus peitos. Os seus pêlos. As suas pernas. O sexo oral. O sexo animal.
Ela lembra, quando menina, sonhava com o príncipe encantado. Aquele homem delicado e compreensivo com quem iria viver o resto da vida uma vida romântica. Durante algum tempo, procurou por esse ser perfeito. Não o encontrou em meio aos príncipes que, enfim, revelavam-se sapos. Depois, passou a procurar em meio aos próprios sapos. Não há momento que revele mais da personalidade de uma pessoa do que na hora do sexo. Os corpos nus, as roupas no chão. Há quem goste de bater, há quem goste de apanhar. Há quem se lambuze como um porco na lama. Há quem goste de lambuzar. Há quem cuspa, para depois comer. Há quem goste de goste de ser dominado. Há quem puxe os cabelos. Há quem enfie os dedos em todo o lugar. Há quem tome a força aquilo que deseja (dolorosas vezes isso aconteceu...). E há os mais variados tipos de desejo. Os mais secretos. Uns choravam e contavam o quanto suas mulheres eram tiranas, frígidas, tão diferentes daquela dama da noite. Na hora do sexo, a sociedade se revela. O rei e o plebeu ficam de quatro do mesmo jeito. Uns urram, outros sussurram. Uns a chamavam de princesa, outros de puta, de cadela, de vadia. No final, o gozo. E o desprezo.
Sim, ela teve muitas experiências. Conheceu muitos homens. Namorou com muitos homens. Conheceu o universo masculino e foi incontáveis vezes tomada à força por ele. Por isso mesmo, ela queria distância desse universo. Homens eram apenas animais, dominados pelo instinto.
Hoje, ela tinha descoberto a pessoa que lhe completava. Sua alma gêmea, seu amor. E, como já foi dito, não há sentimento melhor do que sentir compreendido por alguém. Ela jurou amor eterno (enquanto durasse esse amor) por uma mulher: a mulher de sua vida. De corpo macio e de toque suave. E ninguém tinha nada o que ver com isso.