Carência
Oi... Estava dormindo? Ah, desculpa, imaginei, mas eu precisava muito... Falar, com você.
Não, não tô. Sei, é domingo. Acordei cedo demais.
Sim. De repente era noite, sábado, fazia um frio, eu queria... Eu estava tão só, minha garganta ardia. Precisava de distração, mas não havia nada... Andei a casa inteira, joguei livros na parede, todos falam sobre a mesma coisa, a mesma, os CD’s, tudo.
Descobri que detesto dormir só. Entrei em desespero, não podia, não ontem... Entende? Sim, eu peguei o telefone, mas parecia tão tarde pra mendigar um pouco de carinho.
Eu quero saber dele. Falar com ele, saber o que tem feito, onde tem andado, com quem... Contar meu dia, meus dias, minha agonia, meu peso, que os novos amigos dele riram de mim naquela noite, que o que eu fiz foi...
Eu preciso de contato. De braços, de corpos, de qualquer um. Uma mão anônima, sem nome, rosto ou endereço, que me puxe daqui, que me preste socorro e empreste um dorso pra eu repousar meu rosto. Só isso. Mais nada. Eu seria capaz de pagar se pudesse, sim. Não, não é sexo, não quero isso, é no que eu menos tenho pensado, tem semanas que não... Enfim.
Só queria ouvir a respiração de alguém enquanto dorme, o subir e descer do peito, tranqüilizante, saber que ainda existe, me habituar a essa pulsação em terceiros, descobrir o rumo a que vazio...
Bebi todo o vinho e dormi no tapete. Quero chorar. Mas o tanto que já o fiz e emagreci só servem pra me dar esse aspecto horrível.
Não, não desliga. Fica aqui. Juro pra você que não vou telefonar! Que não vou atrás, juro.
Tudo o que faço me leva ao mesmo lugar, sim, a ele. Tantos braços, você sabe, melhor que ninguém, quantas bocas, pescoços... Mas tudo isso, sempre, fecho os olhos e voi-lá! O mesmo rosto.
Sim, sim, sim, eu sei. Não merece. Não merece nem um terço da metade. Mas existe tanta coisa que foi construída. Não quero saber das mentiras, elas não me incomodam mais, só essa indiferença que pondera e enche de... O que? Espera!
Não!
Alô?
Alô?