O observador

Estou caminhando numa rua no centro de Osasco, estou cansado e com sede, mas sempre em frente ,com passos lentos nas calçadas esburacadas, arranhando o braço nos espinhos no caule de umas flores vermelhas, nos rodapés de um edifício qualquer. 24 horas de trafego intenso, e algumas lesmas contrastando todo aquele ritmo. Atravessei a praça do Santo Antonio e logo estava fora do centro, mas ainda receoso com as ruas, como ainda era dia e havia muitas pessoas nas ruas, não fiquei tão preocupado em ser assaltado por algum nóia, ademais eles nunca levam o que querem de mim. Continuo caminhando sem rumo , olhando para os edifícios , para as igrejas, para os pipoqueiros, e viaturas de polícia, e claro para as pessoas na rua. Uma loira logo a frente me chamou a atenção, o toc toc de seu salto alto ,era como uma resposta fina e elegante ,para os assovios de plantão e o cabelão jogado para trás tapava o sol do meu rosto, eu poderia muito bem lhe perguntar as horas, como uma iniciação do flerte barato, claro que eu não tinha nenhuma chance de faze-la sorrir pra mim, e as horas tampouco me importavam, então apenas continuei atrás dela, senti o teu perfume numa briza, era como os canibais , sentindo o cheiro de sangue pela primeira vez, era doce e perigoso, mas de um charme fino de madame, daquelas que tem os homens na bolsa, e os usam apenas como pequenos adornos noite ou outra. Já escurecia quando ela entrou no carro, com um careca de barba rala, com dois braços que lhe tiravam todo o conforto, parecia como os bonecos max steel, mas com certeza não passara de um Ken , marido da Barbie. Desci uma rua , nas ruas baixas de Osasco, já fora do centro, a atmosfera era outra, os edifícios deram lugar a barracos amontoados, as igrejas viraram botecos, e as pessoas com certeza poderiam te ferir num simples olhar de 2 segundos, mas eu já me acostumara com aquilo, viver na periferia era como matar um leão por dia, e brigar com outros leões pela carne, sem contar com os abutres que rodeavam todo o território. Nas ruas baixas tinha tudo , como no centro, mas tudo mais restrito e territorial, se você entrar num bar e sentar nos fundos, isso no cento da cidade, o dono ou algum funcionário, logo vem para te atender, já na perifa, você fica lá, e por eles você mofa, se tiver sorte, pois na maioria das vezes alguém sempre vem procurar briga, eu sei que bêbado é bêbado em qualquer lugar, mas na periferia os bêbados podem ser exterminadores do futuro.

Já estava escuro quando passei pela ponte improvisada , sobre um córrego, outrora foi ali, um beijo inesquecível para mim, nós dois paramos ali sem sentir o fedor do córrego, a garoa caia em seu rosto de menina, e eu como um menino não soube o que fazer, tempos difíceis aqueles, mas depois do beijo tudo se renovava, o córrego se transformara em rio, e a ponte sumia sob nossos pés, e nos banhávamos como indígenas, nus a luz da lua. Confesso que passar por aquele local novamente, me deixou triste e sem vontade de chegar em casa, então tomei outra direção e segui pela avenida. A noite estava linda demais para se pensar no passado, claro que o presente era um abismo para o futuro, mas eu já não me importava tanto. Andei por alguns quilômetros longe de casa, por ruas diferentes, que me causavam sensações e reações diferentes, eu não queria mais a mesmice, como passar debaixo daquela árvore e lembrar de quando ela enganchou os cabelos nos galhos, ou passar pela rua onde ela vomitou , num porre daqueles, no seu aniversário de 18 anos, passar por aquelas ruas hoje é me prender num passado feliz, e viver o presente como um palhaço triste, que vive de recordações e cheio de maquiagem na cara. Então eu estava disposto a escrever novas histórias, andar por lugares diferentes, com aquele pensamento de, "quem sabe não acontece algo"?. Eu passei por umas ruas desconhecidas até chegar na avenida Internacional, uma subida dos infernos , com carros loucos, e calçadas intransitáveis, mas cheio de comércios e lojinhas dos dois lados da rua. Segui subindo, quando dois travestis desciam escandalosos, gritando para os motoristas de ônibus, e motoboys, aquilo era insano, dois caras fortes e altos , drogados e prontos para dar o precioso, para qualquer outro cara maluco que passar por ali, fiquei pensando como o ser humano consegue fazer coisas desse tipo, entrar num carro de alguém desconhecido, e receber um dinheiro por sexo, e na maioria das vezes acabar sequestrado ou morto, por um serial killer , tem que ser muito homem para fazer esse tipo de coisa. Passei pelos travestis com tranquilidade, mas sem encara-los , evitando assim um assedio ou algo parecido. Comecei a pensar num monte de coisa no caminho de volta para casa, á poucas horas estava no centro procurando trabalho, mas na verdade eu nem quero trabalhar , não consigo fazer isso, tentei tantas vezes , era como virar um robô, só não um completo, porque ainda cagava e mijava e tinha fome, e sentia bater algo no peito, no dia que eu não sentir mais nenhuma destas coisas, ai sim vou trabalhar para o governo. Acho que deve ser por isso, que existem todas essas criaturas da noite, porque elas ainda respiram e sentem alguma coisa, e ainda não venderam a sua essência para o governo, para alguns é mais fácil se vender para desconhecidos, pois não sabem de sua reputação, outros são anônimos e vivem apenas para nota-los num pedaço de papel, como eu e tantos outros que tentam tirar musica de um som de coito forçado, ou beber água barrenta e imaginar vida nas pessoas, nas andanças pelas ruelas e avenidas da vida.

Robert Ramos
Enviado por Robert Ramos em 04/02/2015
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