Aquele moço
Naquele dia, Nina estivera ocupada desde as primeiras horas da manhã. Primeiro, levara o filho Lucas de 8 anos, à escola. Depois, fora ao dentista e ao supermercado. Encontrara algumas pessoas conhecidas, mas não tivera tempo de parar com ninguém para conversar. Já passava de 9h30 quando retornou à sua casa e ainda teria de fazer mil coisas: guardar as compras, colocar a roupa na máquina, preparar o almoço, pendurar a roupa na corda, limpar a casa. A sorte é que não precisaria buscar o Lucas já que, às quartas-feiras, ele tem aula de inglês e natação e fica na escola em tempo integral.
Nina adora ouvir rádio, uma paixão que adquirira na adolescência. O rádio é sua companhia a maior parte do tempo - o marido trabalha em outra cidade, e o filho, quando não está na escola, gosta de brincar na casa da avó, que fica em frente à sua. Nina também gosta de acessar a internet e costuma assistir ao telejornal após o almoço. Entretanto, o dia estava mesmo corrido e ela não tivera tempo para saber as últimas notícias.
Logo que terminou de almoçar, percebera que as horas haviam passado rápido demais e não demoraria a chegar o seu próximo compromisso: havia marcado salão para tingir os cabelos. Assim, resolveu deixar a louça dentro da pia para lavar mais tarde, tomou um banho rápido, vestiu-se e saiu em direção ao ponto de ônibus, a uns cem metros de casa.
Quando chegou ao ponto, encontrou uma senhora de uns 75 anos, de aparência bem humilde. Esta a cumprimentou, dizendo:
- Boa tarde! Se bem que hoje a tarde não está nada boa, não é?
- Boa tarde, senhora! Mas por que a tarde não está boa?
- Porque aconteceu uma grande tragédia. Você não soube?
- Não. Do que a senhora está falando?
- Do acidente.
- Que acidente?
- Do acidente de avião que matou aquele moço.
- Que moço?
- Aquele moço bonito, simpático, que aparecia na televisão.
Nina entendia cada vez menos. Tantos moços bonitos aparecem na televisão. De quem aquela senhora estaria falando?
A mulher continuou:
- Você deve saber, sim, quem é: ele tinha os olhos verdes, um sorriso bonito, falava com sotaque de nordestino.
- A senhora sabe o nome dele?
- Sei não. Eu sou ruim de guardar nomes. Minha cabeça não ajuda. Mas ele era da política. Eu gostava do jeito dele. Parecia ser um moço bom. Eu acho que ele era candidato a alguma coisa. Ele falava bonito sobre o Brasil e o povo brasileiro.
- Eu não consigo saber de quem a senhora está falando. São tantos candidatos, e eles sempre falam coisas bonitas em época de eleição.
- Mas eu acho que aquele moço tinha boa intenção. É muito triste ver uma pessoa morrer assim, de maneira tão trágica e tão cedo! Ele não devia ter nem cinquenta anos.
- Quando e onde foi esse acidente? Como a senhora ficou sabendo?
- Acho que foi em São Paulo. O avião caiu sobre umas casas e explodiu. Foi horrível! Todos morreram: pilotos e passageiros. Eu vi na televisão.
Nina estava chocada, embora ainda não soubesse de quem se tratava. Chegou a pensar que, talvez, a senhora estivesse fazendo confusão: há alguns anos, um acidente aéreo em São Paulo havia matado muitas pessoas. Podia ser que ela tivesse visto alguma reportagem sobre o caso que, de vez em quando, vem à tona novamente.
- Dizem que estava chovendo muito e o piloto não conseguiu enxergar a pista pra descer. – continuou a senhora.
- Hoje eu realmente não me lembrei de ligar o rádio nem tive tempo de assistir à tevê. Não soube de nada. Mas a senhora me deixou curiosa.
- Aconteceu hoje de manhã e eu fiquei tão triste por causa daquele moço e das outras pessoas que estavam com ele! Os outros eu não conhecia, mas ele eu via todos os dias na televisão. Ontem mesmo eu vi. Ah, tão bonito! Tão cheio de vida! Tão cheio de planos!Mas, se essa foi a vontade de Deus o que podemos fazer? Orar. Só isso. Que aquele moço e os outros fiquem em paz!
O ônibus chegou. Nina ajudou a senhora a embarcar e se sentou num banco mais atrás. Não conseguia parar de pensar em quem seria o moço, que morrera de maneira tão trágica e deixou aquela senhora tão comovida. Resolvera perguntar ao senhor sentado ao seu lado. Ao ouvir a resposta, Nina ficara perplexa:
- Eduardo Campos?! O senhor tem certeza? Meu Deus! Agora entendo aquela senhora. Sinto-me muito triste! Como devem estar as pessoas que acreditavam que ele pudesse operar as mudanças tão necessárias e urgentes no país? Que pena!... Aquele moço!...Tão moço!
Jô Coelho
Obs: Este texto foi selecionado para fazer parte do livro Coletânea FLIVA 2014, lançado durante a Feira Literária de Valença em outubro de 2014.
Naquele dia, Nina estivera ocupada desde as primeiras horas da manhã. Primeiro, levara o filho Lucas de 8 anos, à escola. Depois, fora ao dentista e ao supermercado. Encontrara algumas pessoas conhecidas, mas não tivera tempo de parar com ninguém para conversar. Já passava de 9h30 quando retornou à sua casa e ainda teria de fazer mil coisas: guardar as compras, colocar a roupa na máquina, preparar o almoço, pendurar a roupa na corda, limpar a casa. A sorte é que não precisaria buscar o Lucas já que, às quartas-feiras, ele tem aula de inglês e natação e fica na escola em tempo integral.
Nina adora ouvir rádio, uma paixão que adquirira na adolescência. O rádio é sua companhia a maior parte do tempo - o marido trabalha em outra cidade, e o filho, quando não está na escola, gosta de brincar na casa da avó, que fica em frente à sua. Nina também gosta de acessar a internet e costuma assistir ao telejornal após o almoço. Entretanto, o dia estava mesmo corrido e ela não tivera tempo para saber as últimas notícias.
Logo que terminou de almoçar, percebera que as horas haviam passado rápido demais e não demoraria a chegar o seu próximo compromisso: havia marcado salão para tingir os cabelos. Assim, resolveu deixar a louça dentro da pia para lavar mais tarde, tomou um banho rápido, vestiu-se e saiu em direção ao ponto de ônibus, a uns cem metros de casa.
Quando chegou ao ponto, encontrou uma senhora de uns 75 anos, de aparência bem humilde. Esta a cumprimentou, dizendo:
- Boa tarde! Se bem que hoje a tarde não está nada boa, não é?
- Boa tarde, senhora! Mas por que a tarde não está boa?
- Porque aconteceu uma grande tragédia. Você não soube?
- Não. Do que a senhora está falando?
- Do acidente.
- Que acidente?
- Do acidente de avião que matou aquele moço.
- Que moço?
- Aquele moço bonito, simpático, que aparecia na televisão.
Nina entendia cada vez menos. Tantos moços bonitos aparecem na televisão. De quem aquela senhora estaria falando?
A mulher continuou:
- Você deve saber, sim, quem é: ele tinha os olhos verdes, um sorriso bonito, falava com sotaque de nordestino.
- A senhora sabe o nome dele?
- Sei não. Eu sou ruim de guardar nomes. Minha cabeça não ajuda. Mas ele era da política. Eu gostava do jeito dele. Parecia ser um moço bom. Eu acho que ele era candidato a alguma coisa. Ele falava bonito sobre o Brasil e o povo brasileiro.
- Eu não consigo saber de quem a senhora está falando. São tantos candidatos, e eles sempre falam coisas bonitas em época de eleição.
- Mas eu acho que aquele moço tinha boa intenção. É muito triste ver uma pessoa morrer assim, de maneira tão trágica e tão cedo! Ele não devia ter nem cinquenta anos.
- Quando e onde foi esse acidente? Como a senhora ficou sabendo?
- Acho que foi em São Paulo. O avião caiu sobre umas casas e explodiu. Foi horrível! Todos morreram: pilotos e passageiros. Eu vi na televisão.
Nina estava chocada, embora ainda não soubesse de quem se tratava. Chegou a pensar que, talvez, a senhora estivesse fazendo confusão: há alguns anos, um acidente aéreo em São Paulo havia matado muitas pessoas. Podia ser que ela tivesse visto alguma reportagem sobre o caso que, de vez em quando, vem à tona novamente.
- Dizem que estava chovendo muito e o piloto não conseguiu enxergar a pista pra descer. – continuou a senhora.
- Hoje eu realmente não me lembrei de ligar o rádio nem tive tempo de assistir à tevê. Não soube de nada. Mas a senhora me deixou curiosa.
- Aconteceu hoje de manhã e eu fiquei tão triste por causa daquele moço e das outras pessoas que estavam com ele! Os outros eu não conhecia, mas ele eu via todos os dias na televisão. Ontem mesmo eu vi. Ah, tão bonito! Tão cheio de vida! Tão cheio de planos!Mas, se essa foi a vontade de Deus o que podemos fazer? Orar. Só isso. Que aquele moço e os outros fiquem em paz!
O ônibus chegou. Nina ajudou a senhora a embarcar e se sentou num banco mais atrás. Não conseguia parar de pensar em quem seria o moço, que morrera de maneira tão trágica e deixou aquela senhora tão comovida. Resolvera perguntar ao senhor sentado ao seu lado. Ao ouvir a resposta, Nina ficara perplexa:
- Eduardo Campos?! O senhor tem certeza? Meu Deus! Agora entendo aquela senhora. Sinto-me muito triste! Como devem estar as pessoas que acreditavam que ele pudesse operar as mudanças tão necessárias e urgentes no país? Que pena!... Aquele moço!...Tão moço!
Jô Coelho
Obs: Este texto foi selecionado para fazer parte do livro Coletânea FLIVA 2014, lançado durante a Feira Literária de Valença em outubro de 2014.