637-DINHEIRO, EMPRÉSTIMOS E BOM SENSO-Memórias de meu Pai
O bom senso foi a tônica que regeu a vida de meu pai. Modesto marceneiro, com habilidade de entalhador em madeira, jamais se deixou ofuscar por elogios. Não ganhou muito dinheiro de suas atividades: fez o suficiente para ter uma morada digna e proporcionar à família o necessário para viver com dignidade.
A relação com o dinheiro era de respeito.
— O Dinheiro é uma força e fonte de poder. Precisa ser lidado com cuidado e tratado com carinho. — dizia. — As notas não devem ser amassadas e as moedas colocadas num lugar determinado, numa caixinha ou dentro de um gaveta. Quando colocar notas nos bolsos, coloque-as no bolso da camisa, sobre o coração. Nunca coloque no bolso traseiro da calça, perto da bunda.
O que ganhava com seu trabalho dava para viver com tranquilidade e, quando necessário, fazer uma reforma na casa, ou comprar ferramentas novas ou uma máquina para sua oficina. Quando eu quis continuar estudando, além do grupo escolar, ele passou a trabalhar mais (até de noite) para pagar as mensalidades do ginásio.
Jamais contraiu empréstimos. Dizia: “As pessoas devem viver com o que ganham — e economizar um pouco, um pouquinho que seja. Tirar empréstimo para gastar com coisas supérfluas é um desastre. Acontece como a gralha da fábula de Esopo.
— Que história é essa? — perguntei-lhe um dia, quando já tinha entendimento para discutir com ele sua maneira de tratar com o dinheiro.
E ele contou:
— Aconteceu que Zeus, deus da mitologia grega, decidiu escolher a ave mais bela para reinar sobre todos os bichos de pena. Foi marcado um dia para a seleção, quando o mais bonito seria o escolhido com Rei das Aves. As aves, que chegaram do mundo inteiro, cansadas, resolveram tomar banho no rio. Ora, a gralha, que sabia não ter nenhuma oportunidade de ser escolhida, acompanhou as aves até o rio. Nas margens, foi achando as penas que haviam caído das aves que se banhavam. Recolhendo as plumas, cobriu-se com elas. Colando-as firmemente ao seu corpo. Desta forma, ela, adornada com as mais lindas penas das outras aves, ficou a mais aparente de todas. A seguir, na tarde daquele mesmo dia, aconteceu o concurso e todas as aves desfilaram perante Zeus. A gralha soube exibir sua plumagem variada, bizarra e muito original. Quando Zeus ergueu a mão para apontá-la como a rainha de todas as aves — tamanha era sua beleza! — as outras aves, cada uma por sua vez, indignadas, foram arrancando as penas que a cada uma pertencia. Ficando sem os adornos que não lhe pertenciam, a gralha voltou a ser o que era: uma ave das mais feias e foi escorraçada do concurso.
E meu pai concluía, com a moral da história, que finaliza todas as histórias do grande fabulista grego:
— Ao tomar por empréstimo o dinheiro dos outros, para luxo ou dissipação, o devedor se dá ares de rico. Ao devolvê-lo, por bem ou por mal, volta a ser o que era antes ou até pior, pois é melhor ser e não parecer que é, do que parecer e não ser.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 19 de novembro de 2010
Conto # 637 da SÉRIE 1OOO HSTÓRIAS