Quitute com Jésus
Novidades na Cooperativa eram raras, mas quão caras! Acontecia todo mês, a chegada do caminhão com os mantimentos, do Aristide e do Gerardo Preto, para a sua distribuição - a preços razoáveis para a massa operária do povoado. Arroz, feijão, farinha, fubá, banha, açúcar, café: a cesta básica tava assegurada. E ao alcance da clientela que, com suas capangas e sacolas, ia sendo atendida na medida.
Chocolate em pó costumava fazer sucesso, mas muitas vezes mais em função da embalagem - aquelas latinhas tão bonitinhas, coloridas e cheias de medalhinhas que, com uma boa asinha e uns rebites, convertiam-se em ambicionados copos nas mãos hábeis de latoeiro - do que do pelo seu conteúdo, um tanto amargo e a requerer ciência e paciência pra chegar ao ponto de consumo.
Mas o dia em que o quitute chegou, tudo pareceu mudar. Ao menos aos olhos e ao paladar de Jésus. As embalagens traziam a novidade da chavinha de metal que permitia a abertura da lata trapezoidal por meio do enrolamento da linguinha situada na base da lata. E o conteúdo? Nossa Sinhora, era coisa jamais vista, jamais testada. Quitute de porco, que coisa mais saborosa, maciinha, que nem requeria mastigação, derretendo-se na boca.
Jésus se empolgou. Voltou à Cooperativa para arrematar o lote restante, sob o protesto relutante do Aristide que argumentava, conquanto sem convencimento próprio, que o resto da clientela podia se sentir prejudicado. Uma solução intermediária foi encontrada, levando o Jésus a metade, das 30 e tantas latinhas que ainda jaziam na prateleira. Demais, já ia caindo a tarde e o melhor era assegurar a boa vendagem, enquanto o ordenado estava fresco na mão da operariada.
E o bom Jésus, que dos pecados capitais não praticava senão a luxúria - e sem luxo nenhum por falta de imaginação da égua baia ou das cabras - caiu de pau foi na gula. E se refestelou - até que o sistema digestivo reagisse. Ali o mal-estar não foi pouca bosta.
E quede que se bastasse?