O Cheiro
Francisca adoeceu e não houve chá nem mezinha que a curasse. Dir-se-ia que era depressão mas, ao tempo, ainda ninguém considerava a depressão doença e, o mais grave de tudo, é que não sabiam como a curar. Que mudasse de ares, se distraísse, que saísse mais. Mas não resolveu nada e Francisca começou a falar em voltar à terra, deixar Angola onde nunca conseguiu integrar-se. O marido haveria de conseguir alguma coisa para fazer e pobres sempre foram, concluía. A ele enchiam-se-lhe os olhos de lágrimas, torcia as mãos e, vencido, já nem contestava o discurso da sua mulher, muito limitada e teimosa. Se era para voltar, voltariam mas que ficasse claro que talvez lhe desse a ele a mesma maleita. Sim, que ele amava África, os hábitos, a liberdade e o calor e desconfiava que ficar sem o que conquistara lhe traria desgostos. Despediu-se António do emprego, deram o que não puderam levar, disseram adeus aos amigos e voltaram a bordo do Vapor Niassa rumo a Lisboa e da capital à aldeia onde a Francisca, regressando à sua vida pequenina, começou a melhorar. Entristeceu tanto António que a deixou de procurar e as queixas iniciaram-se com confidências à madrinha mas iam já na irmã do senhor padre. Ela era nova, tinha direitos, queria filhos… A António faltavam os anteriores estímulos, o afeto da negra que fizera sua amante e, sobretudo, o cheiro que impregnava o quitengue e que o despertava sexualmente como nunca antes. Se ao menos pudesse recuperar o aroma dos panos, comentou com um antigo colega de férias em Portugal. Coisa muito fácil, retorquiu o outro. Em chegando peço à tua Domingas os panos e envio-tos, em papel de cera. Ela vai ficar orgulhosa e tu talvez tenhas o problema resolvido. A princípio funcionou mas, para António, o cheiro dos panos fazia-o recordar outras coisas e ele decidiu não fugir mais ao destino. Abandonou a Francisca, a aldeia e regressou a Angola. Tem muitos filhos e diz-se feliz.