Mas quem não o é?
Podem me chamar de saudosista que não ligo. Gosto de preservar prendas inúteis, antigas saudades... Sou mesmo, este museu ambulante de quinquilharias, ou como citam meus íntimos: casa antiga fedendo a guardados. Mas não mentem. É isso que sou!
O que fazer se nascemos assim, com mazelas estranhas e incuráveis na alma? Embora feliz com a vida que levo, confesso que nada me dá mais prazer que remexer neste meu íntimo, e tão imenso baú de lembranças vãs, somente para me deleitar com olhares e sorrisos a muito extintos... Cena que nunca deleto, é rever meu papai recostado à porta da cozinha ofegante e cansado pelo mal que o levou, cantando a inesquecível “Boemia”. De mamãe relembro ainda, o som dos dedos em mãos delicadas de pianista relaxada, saltitarem sobre a mesa, enquanto pensava e pesava a vida que não sonhou... Às tardes, enquanto varria as folhas largadas ao chão de barro de nossa casa sempre humilde, uma canção nascia. Minha mãe tinha na alma um ventre parideiro de poesias belas que nasciam assim, com tão pouco estímulo... E cantava Stela com voz afinada, eu ao coro ajustada, enquanto “teinha” dedilhava ao violão a mais nova melodia.
Ah, meu bom “mano”! Foi você o mais calado, o mais reservado em seus segredos que eu sabia e por isso meu melhor cúmplice! De ti nenhuma censura. Conselho sábio não o viu se atrever. De ti apenas sorrisos comedidos de quem quis dizer e não disse: cuidado menina tola... Não sonhe tanto pra não perder o chão! De ti ficou o gosto e o culto pela música que degustavas na sacada ao último volume, e eu nem percebia que a paixão que deixavas me agarrava trêmula de forças, a clamar por guarida.
... E neste devaneio ainda que insano, peso da vida tudo que sei e sou. Sei tudo de dor e saudade... Sou linda e perfeita por estes!