Uma Receita Tradicional
A Pietas lia a receita no caderno da mãe e ia fazendo o almoço que seria servido à família inteira naquele Dia de Reis. A receita tinha tradição familiar e o cabrito era um dos pratos que a avó e a mãe confeccionavam com esmero. Estava tudo certo, da permanência da carne em vinha de alhos, com muito colorau, loureiro e pouco sal ao tempo da marinagem. As batatas estavam descascadas e, como eram miúdas, levavam só uma leve cozedura antes de serem colocadas no tabuleiro para tudo ir ao forno bem quente como estava no escrito. “ Devem ser bem partidas as patas ao cabrito antes da assadura”. Aqui é que a moça se atrapalhou. Como partirei as patas ao cabrito? Será que não fica o assado igual ao da avó se saltar este pormenor? Na dúvida resolveu perguntar à mãe que, ainda a aguardar transporte, se atrasara no mercado. Não, ela também não sabia e sempre partira as patas ao cabrito sem se questionar o porquê do procedimento, justamente porque isso estava bem expresso na receita. Continuava a ser um problema partir, sem machadinha, as patas do bicho e Pietas resolveu perguntar, ela mesma, à avó. Pegou no telefone e, vencendo a surdez da velha senhora, explicou aos gritos o que queria saber e obteve dela esta resposta surpreendente: - Ora, filha, eu partia as patas ao cabrito para que coubesse no único tabuleiro que tinha.